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02/08/2010 / Em: Clipping

 


Discriminação por cotas   (Correio Popular – Opinião – 31/07/10)

No ano retrasado, a estudante Tatiana Oliveira ingressou na Universidade Federal de Santa Maria (RS), através do sistema de vagas para afro descendentes e teve sua matrícula cancelada no final de março de 2009 por uma comissão da universidade que alegou que ela não preencheu as condições exigidas no programa de cotas. Ela é parda, as cotas são para negros e pardos, mas a comissão não a considerou merecedora do benefício, apesar de ser parda. No caso dos cotistas, deve ser entregue uma declaração onde o candidato se diz negro ou pardo. Ela é parda, filha de branca com pardo e neta de negros escravos. Reside numa vila pobre de Santa Maria, porém durante a entrevista disse que nunca foi discriminada. Essa não discriminação assumida causou a perda de sua vaga por uma insana e discriminatória comissão avaliadora do sistema de cotas! Aliás, essa comissão tem representantes do movimento negro que discriminaram a Tatiana por ela não fazer parte desses movimentos e nem se julgar uma excluída! Se ela se sentisse excluída ou participasse de movimentos negros, a vaga seria dela. Como não foi o caso, julgaram que ela era uma branca querendo se aproveitar das cotas. O problema é que ela não é branca! A política de cotas por si é uma aberração, mas já que existe na lei, é para ser cumprida e não é uma comissão que vai agora começar a definir quem tem ou não direito baseado nos conceitos de ser ou não excluído! A Tatiana é parda e tem direito à sua cota. Sua advogada está entrando com ação na justiça federal com pedido de liminar para que Tatiana volte às aulas imediatamente. Voltando ao sistema de cotas, existem inúmeros juristas que afirmam que ela fere a Constituição Federal e está em desacordo com o princípio de isonomia e de igualdade. No caso das universidades, na verdade é o pobre e não o negro que tem dificuldades de acesso, pois ele não pode se preparar adequadamente e às vezes nem pagar uma taxa de inscrição. Parece mais correto prever um acesso ao pobre, seja ele branco, negro, pardo ou amarelo. Seguindo a onda das universidades, uma promotora do Ministério Público de São Paulo acusa a São Paulo Fashion Week de racista e quer instituir uma cota para modelos negras! O objetivo da promotoria é promover uma inclusão social e estabelecer um número mínimo de modelos negros a desfilar! Isso é preocupante! O Brasil é um país onde a miscigenação predomina e nos preocupa quando o Estado começa a inventar métodos de divisão entre brancos e negros. No fundo, essas leis induzem ao racismo. Vejam o caso da Tatiana, que se sentiu discriminada pela primeira vez na vida, justamente por uma comissão com ridículos poderes de definir quem é branco ou negro ou pardo, independente da origem. Se continuar desta forma, logo teremos sistemas de cotas raciais para presidentes, senadores, governadores, prefeitos, deputados, vereadores, médicos, professores, etc. Será a institucionalização da discriminação verdadeira, com o Estado classificando seus cidadãos segundo sua etnia ou cor. O trágico é que isto acontece justamente numa hora em que a sociedade vem tomando mais consciência dos males de todo tipo de discriminação e aprendendo a rechaçá-lo. O Brasil é uma mistura e querer separá-lo através de cotas é um erro que pode nos custar caro no futuro. Devemos, sim, combater a pobreza, a falta de educação, falta de condições mínimas de saúde pública e promover a inclusão social, independente da cor. O Brasil só será um grande país quando tiver educação, saúde e respeito pelos seus cidadãos. É disto que precisamos e não de cotas!

Célio Pezza é escritor, formado em Química e Administração de Empresas



Universidade para os novos tempos  (Folha de S.Paulo – Opinião – 01/08/10)

Hoje, o Brasil festeja os ventos que inflam a economia, louvando em prosa e verso tanto as perspectivas abertas no mar, com o pré-sal, quanto em terra, com a exploração da biodiversidade, o potencial da energia renovável, a proximidade da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. Por aí caminha o desenho do futuro risonho. Mas e o reverso da medalha? Sinais de fragilidade já são perceptíveis e, em boa parte, dizem respeito à crônica carência de capital humano, mais uma ameaça à sustentabilidade do desenvolvimento. A título de exemplo, pesquisas indicam que somente a construção civil -o tradicional carro-chefe da expansão da economia, dada a rapidez com que responde aos estímulos, absorve grandes contingentes de mão de obra, alimenta ampla cadeia produtiva e alavanca o consumo- amargará um deficit de 38,5 mil profissionais, que se multiplicará, caso se confirmem as previsões de crescimento do PIB a taxas acima de 5%. O mais preocupante é que muitas dessas vagas não serão preenchidas por falta de profissionais capacitados. Adicionalmente, é também a construção civil que sinaliza para a ponta do iceberg que poderá emperrar as promessas de crescimento: a carência de engenheiros, resultante do desinteresse pela graduação que despencou da terceira para a 16ª posição entre os cursos mais procurados, de 1997 a 2006. Como resultado, o Brasil conta com 480 mil engenheiros, muito pouco para uma população perto dos 200 milhões de habitantes. A boa notícia é que os 2.032 cursos em funcionamento voltam a atrair alunos, registrando 140 mil matrículas neste ano. A má notícia é que, mesmo mantendo o ritmo de crescimento, dificilmente o Brasil preparará a quantidade necessária de profissionais para atender à demanda do crescimento. Basta lembrar que, com o pré-sal, somente o setor petrolífero exigirá 150 mil engenheiros especializados. Ou, ainda, que cada milhão de dólares aplicado em novos investimentos produtivos abre vaga para mais um engenheiro. Como uma má notícia nunca vem sozinha, as empresas também detectam a carência de profissionais ligados aos vários ramos das formações em tecnologia, considerando que o mercado deverá gerar 100 mil vagas para tecnólogos até 2011 e mais 200 mil até 2015. Com exceções de praxe, esse deficit se repete em dezenas de outras áreas de atuação, visto que apenas cerca de 5 milhões de jovens chegam às faculdades (dados de 2007/ Inep), contra os 20 milhões, na faixa dos 16 aos 18 anos, que ficam à margem do ensino superior.
Apenas esses números -e, portanto, desconsiderando a má qualidade do ensino- recomendariam que os candidatos às próximas eleições incluíssem entre suas prioridades a revisão da matriz da formação profissional, dotando a rede de ensino superior de flexibilidade para propiciar, além da acadêmica, formações específicas para docência, pesquisa e habilitações para o mercado de trabalho. Com isso, atenderia às necessidades do crescimento e às aspirações dos jovens e das famílias de baixa renda que, ao terem acesso ampliado ao topo da pirâmide educacional, sonham principalmente em galgar um patamar superior de qualidade de vida.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA é presidente do Conselho de Administração do Ciee/SP (Centro de Integração Empresa-Escola) e do Conselho Diretor do Ciee nacional. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001-2002).