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07/11/2017 / Em: Clipping

 

‘Falem menos’: professores surdos usam tema da redação do Enem para alertar sobre a exclusão deles na educação (G1 – Educação – 06/11/2017)

Tema da redação é visto como oportunidade de reflexão sobre a inclusão dos surdos. Pamela Matos fez vídeo no qual rebate ex-docente que criticou o tema.

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017, “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, foi comemorado por professores que têm a deficiência. Entrevistados pelo G1, eles afirmam que é uma oportunidade de a sociedade debater um tema tão relevante – e tão ignorado: a inclusão dos surdos na sociedade, a partir da educação. Entre as várias manifestações, a professora Pâmela Matos fez um vídeo no Facebook que relata sua indignação com os comentários sobre o tema. “Falem menos”, alertou (leia mais abaixo). Em coro com Pâmela, Tiago Codogno Bezerra, professor surdo do Colégio Luiza de Marillac, do Instituto Singularidades e da Derdic-PUC-SP, ressalta que pode ter sido a primeira vez em que muitos jovens pensaram no assunto. “Sabemos que escolas bilíngues para surdos e escolas inclusivas fazem com que alunos ouvintes tenham contato com esta temática, porém em outros colégios o debate nunca existiu”, diz. “A redação faz com que todos reflitam e tenham consciência sobre a educação de surdos. Este tema com certeza quebrou barreiras”, conclui. Valdo Nóbrega, professor de Libras e mestrando em linguística da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), concorda. “O fato de ter aparecido este tema na redação do Enem contribuiu com a nossa luta pelo direito de exercer a cidadania por meio da Libras, assim como qualquer cidadão brasileiro que fale português”, diz. Nóbrega acredita que o tema vai repercutir em escolas e em cursos preparatórios e que a discussão pode ajudar a sociedade a mudar sua visão sobre os surdos. “A questão não está apenas na língua e, sim, na visibilidade que a comunidade surda quer ter na sociedade. Por isso que o tema nos pegou de surpresa positivamente”, complementa.

Dificuldades enfrentadas pelos professores

Neivaldo Augusto Zovico, diretor regional da Federação Nacional de Educação Integração dos Surdos, tem surdez congênita. Ele diz que debater o assunto é uma forma de ajudar na conscientização dos problemas enfrentados pelas pessoas que têm a deficiência. “Estudei em uma escola para surdos até a 4ª série, depois tive de mudar para outra de ouvintes. Não tinha intérprete, era muito difícil”, conta.“A professora me chamava de burro e vagabundo porque eu não conseguia ouvir e entender a língua portuguesa”, afirma. Atualmente, Zovico leciona matemática e Libras na escola municipal de educação bilíngue para surdos Helen Keller, em São Paulo. “A sociedade precisa respeitar os surdos, nós sofremos muito, mas pagamos impostos e somos cidadãos brasileiros como todos os outros.” A trajetória de dificuldades até chegar à graduação também é relatada por Talita Tavares, professora interlocutora da Escola Estadual Professora Ernestina Del Buono Trama, em São Paulo. Aos 31 anos, ela relembra como a inclusão não era debatida em sua infância. “Muitos diziam que eu era desatenta. Eu tentava fazer leitura labial, mas era difícil porque os professores viravam de costas para os alunos ao escrever na lousa”, conta. “Me formei na faculdade, mas também não tive acesso a intérprete. Uma redação do Enem sobre isso é bem realista para o nosso momento. O Brasil está acordando para a necessidade da inclusão efetiva das pessoas com deficiência. Temos surdos na sala de aula que não estão aprendendo”, afirma. Talita aproveita para sugerir uma proposta de intervenção na redação: “Precisaria haver a inclusão da Libras como disciplina escolar. Formar professores bilíngues também é importante, porque a faculdade de licenciatura só discute a teoria da língua com os alunos. Falta prática”, diz.  A falta de acessibilidade também foi sentida por Karin Strobel, professora-doutora surda de Libras-Letras na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do livro “As imagens do outro sobre a cultura surda”. “As pessoas precisam refletir sobre a educação dos surdos. Foi só no meu doutorado que eu pude ter um intérprete e ver o que é aprender de verdade”, conta.

Vídeo viraliza nas redes

A professora Pamela Matos, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), postou um vídeo no Facebook para rebater um post de um ex-professora que fez críticas ao tema da redação do Enem. “Há uns 15 anos atrás você foi minha professora, ou seja, você teve uma aluna surda. O que você fez para me incluir na sua disciplina? N-A-D-A”, diz o texto, escrito e exibido em várias folhas de sulfite seguradas por ela. O vídeo teve mais de 1 milhão de visualizações. Mais tarde, por volta das 15h20, Pamela voltou a postar nas redes, usando novamente as folhas de sulfite com mensagens escritas: “Agradeço a todos pelo carinho e por compartilharem o vídeo, mas quero que ele sirva para reflexão e não afronta.”

 


Inclusão na educação exige combater a pobreza e medir a aprendizagem (Gaúchazh – Educação e Emprego – 06/11/2017)

Relatório do Banco Mundial mostra que a educação depende de políticas de assistência social e de ações efetivas, baseadas no conhecimento profundo das populações vulneráveis

Quando o tema da inclusão na escola é debatido, a ligação é direta com as pessoas com deficiência, uma vez que são o grupo social que mais necessita de políticas públicas para sua inserção na escola e no mercado de trabalho. Porém, ao observar o item 4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, as condições colocadas são: “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Dessa forma, promover a inclusão na educação está bem além de assegurar o acesso de pessoas com diversas deficiências: tem a ver com romper as barreiras da desigualdade social e econômica. Na entrevista publicada no site da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho nesta terça-feira (31), o sociólogo e professor Maurício Érnica mostra que o Brasil precisa cumprir enormes desafios nesse sentido. – Os investimentos na escolarização exigem rotina cotidiana com uma orientação específica em relação ao tempo, exigem rotina e espera, exigem esforços aqui e agora e uma projeção de ganho futuro. Isso, as famílias que estão no limite da pobreza extrema, pressionadas pelas urgências das necessidades e pelas instabilidades da vida precária não têm condições de sustentar. Eu insisto nesse ponto: para poder assegurar esse tipo de investimento regular e cotidiano, visando ganhos no longo prazo, não dá para a família estar aprisionada pela urgência das necessidades primárias. Tem que ter abrigo garantido, tem que ter condições mínimas de manter as rotinas cotidianas. Não dá para estar acossada pela violência, pela inconstância da alimentação. De acordo com o Observatório do Plano Nacional de Educação, o Brasil está próximo de cumprir as metas de universalização dos ensinos fundamental e médio – 97,7% de crianças matriculadas em 2015 no Ensino Fundamental, 84,3% no Ensino Médio – mas os indicadores de conclusão desses cursos são preocupantes. De acordo com o Censo Escolar do MEC, usando dados de 2015, 12,1% dos alunos de Ensino Médio abandonaram o curso no 1º e no 2º ano. No Ensino Fundamental, a taxa de evasão é de 7,7%. Esses dados tornam-se mais preocupantes se somados ao fato de que existem 45,5 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, segundo os novos critérios do Banco Mundial – que estabelecem em US$ 3,20 ao dia o limite de consumo que define pobreza. A curva de brasileiros abaixo da linha da pobreza, que era descendente, voltou a subir com a crise econômica dos últimos três anos, o que deve provocar impacto a médio prazo em todos os indicadores de educação. De acordo com dados do próprio Banco Mundial, as falhas nos sistemas de ensino aprofundam as desigualdades. Ainda que a crise relativa à aprendizagem dos estudantes não seja apenas do Brasil – os índices de matemática e leitura são especialmente graves no Oriente Médio e na África Subsaariana – existe uma relação direta entre a renda familiar e a qualidade da aprendizagem na educação. Mais de 60% das crianças avaliadas nos países com menores condições de renda não conseguem alcançar habilidades mínimas em matemática e leitura. Essa dificuldade impede os jovens de obterem salários altos, aprofundando um ciclo de desigualdade social e econômica. Além disso, a privação de elementos básicos para o desenvolvimento humano, como água, comida e abrigo, dificulta inclusive o desenvolvimento cerebral – a capacidade das áreas relativas a linguagem, memória, funções de execução e de decisão cai pela metade quando a criança é submetida a situações de extrema pobreza, mostra o estudo. – Para atuar na pobreza extrema, assegurando à população nessas condições o direito à educação, é preciso associar a política social à política educacional. Se não há garantia de moradia, serviços de saúde funcionando, políticas de proteção social, não será a escola que vai funcionar direito. Até porque, quando as políticas sociais não funcionam direito, onde os problemas todos vão desaguar? Na escola. Diretor de escola não é assistente social, não é agente de saúde, não é agente de zoonose, não é guarda civil, não é policial, não é gestor de política habitacional. Não tem nem mandato legal, nem instrumento adequado para atuar sobre essas demandas. O que a gente viu, em pesquisas de campo, é que as escolas em regiões periféricas concentradoras de pobreza são muito isoladas de outras políticas sociais e, por isso, as demandas sociais desaguam na escola sem que a escola tenha como lidar com elas – afirma o professor Maurício Érnica. O estudo “Aprendendo para realizar as promessas da educação”, do Banco Mundial, mostra alguns caminhos necessários para romper esse ciclo de desigualdades. Não basta apenas investir com força em educação: é necessário medir com intensidade as questões relativas às dificuldades de aprendizagem, e realizar políticas públicas que levem essas métricas em consideração. As escolas em regiões periféricas concentradoras de pobreza são muito isoladas de outras políticas sociais e, por isso, as demandas sociais desaguam na escola sem que a escola tenha como lidar com elas.

SEIS DICAS PARA MEDIR MELHOR A QUALIDADE DA APRENDIZAGEM

(de acordo com o relatório Aprendendo para Realizar As Promessas da Educação, do Banco Mundial)

  1. Medir as lacunas – “as populações vulneráveis precisam ter acesso a sistemas nacionais de assistência”
  2. Rastrear o progresso – “O uso de metodologias uniformes, formas de aproximação e psicometria ao longo dos anos é crucial para os sistemas educacionais discernirem sobre tendências no aprendizado, e provocar mudanças”
  3. Testar os estudantes quando a ação efetiva é possível – “o retorno será maximizado se focar que os estudantes obtenham habilidades básicas, como leitura, matemática e pensamento crítico, o mais cedo possível na sua escolarização”.
  4. Balancear as medidas – “nenhum critério deve ser usado de forma equivocada ou exagerada. Os índices devem basear diagnósticos e diretrizes, não buscar sanções e recompensas”.
  5. Facilitar a ação – “fazer políticas públicas a partir dos dados. Mostrar resultados compreensíveis para partes interessadas que são chave no processo, e chamar todas essas partes para colaborar na realização de políticas”
  6. Explorar exemplos internacionais – “a assessoria internacional pode possibilitar um grande retorno, especialmente quando usadas medidas de países diferentes que estejam com índices semelhantes”.

 


Enem 2017: Tema da redação foi recado da banca, avalia professor (Veja – Educação – 06/11/2017)

Ao escolher tema inesperado, organização indica que esperava dos candidatos habilidades de leitura e compreensão a partir dos textos oferecidos na prova

Considerado um tema inesperado, a proposta de redação da edição de 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pode ter sido um “recado da banca” que formulou a prova. Esta é a avaliação que o professor Sérgio Paganim, supervisor de Português do Anglo Vestibulares, faz pouco mais de 24 horas após a revelação de que os seis milhões de candidatos que se inscreveram na prova precisariam dissertar sobre a educação de pessoas surdas no Brasil. Para Paganim, ao escolher um tema considerado inesperado, o Enem dribla os esforços de adivinhação da proposta e preparação prévia e praticamente garante que os candidatos precisem elaborar uma redação a partir dos textos que integram a coletânea. “Prova de redação não é imaginar o tema antes. É avaliar a competência de ler os textos e pensar em uma argumentação a partir do tema da forma como foi posto naquele momento”, argumenta. “Passa a ser uma prova de leitura que precede a prova de escrita.” O professor ressaltou que a frase-tema escolhida pelo Instituto Nacional de Educação e Pesquisas (Inep), órgão do Ministério da Educação que elabora o exame – “os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” – , são a maior evidência de que existia a expectativa de um uso maior dos textos da coletânea. “Olhe essa frase-tema. Se só ela for observada como foi divulgado no primeiro momento, o tema dá receio porque são expressões muito amplas, mas esses ‘desafios’ citados estão delineados nos textos. Ler bem era o passe para fazer uma boa redação.” Ao todo, são quatro os conteúdos oferecidos aos candidatos para auxiliar na elaboração da redação. Paganim ressalta a questão em torno de “que tipo” de educação deve ser oferecida às pessoas surdas: devem ser ensinadas em escolas especiais, escolas comuns com adaptação ou, ainda, a possibilidade intermediária, classes exclusivas dentro de escolas comuns?

Questões

Para o supervisor de Português do Anglo Vestibulares, as quarenta questões em português da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias proporcionaram uma prova com potencial de fazer uma “boa seleção” dos candidatos. O professor avalia que esse deve ser o resultado da opção do Enem de ter mais questões sobre artes, com interpretações de pelas publicitárias ou com metalinguagem – textos que também envolvem reflexões sobre o ato de escrever. O efeito dessa escolha da banca que elaborou o exame teria sido um equilíbrio: interpretar obras de arte e referências à escrita são mais difíceis, enquanto depreender conceitos a partir de peças de publicidade acontece com mais tranquilidade. Assim, permitiram tanto que candidatos com repertório cultural se sobressaíssem ao mesmo tempo em que não puniriam excessivamente, avalia o professor, aquele estudante que não está no mesmo patamar de referências, mas se dedicou à leitura e interpretação dos textos e imagens. No domingo, 5, os estudantes responderam a 90 questões de múltipla escolha nas áreas de Linguagens e Códigos e de Ciências Humanas, além de elaborarem a redação. No próximo domingo, dia 12, será a vez das provas de Ciências da Natureza e de Matemática.