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08/11/2017 / Em: Clipping

 

Com redação nota mil no Enem, jovem surdo não consegue seguir em cursos de duas universidades por falta de acessibilidade (Gaúchazh – Educação e Emprego – 07/11/2017)

Bernardo Manfredi tenta em 2017, pela terceira vez, entrar em uma instituição que lhe ofereça assistência

Quando leu o tema da Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no domingo (5), Bernardo Manfredi, de 20 anos, imaginou que a única dificuldade seria escrever apenas 30 linhas. Diagnosticado com surdez severa, sempre estudou em escolas regulares, sofreu bullying e teve até matrícula rejeitada, mas também ganhou bolsa de estudos pelo bom desempenho. Apesar da proximidade com o tema, o candidato, que também sofre com disgrafia profunda (dificuldade na escrita) e transtorno psicomotor em mãos e braços, só recebeu o auxílio de um transcritor nos 30 minutos finais da prova. A Redação deste ano teve como tema os desafios para a formação de surdos no Brasil. A proposta, que segue a tendência da prova de fazer discussões sociais, surpreendeu os participantes e foi considerada desafiadora por especialistas. Foi a terceira vez que Manfredi prestou o Enem. No ano passado, ele foi um dos 77 candidatos que tirou nota máxima (mil) na Redação. Este ano, como nos outros, solicitou na inscrição o apoio de um intérprete de leitura labial e um transcritor para preencher o cartão de resposta e escrever a redação. Logo que chegou à sala de prova, foi informado de que não teria o transcritor.  — Disseram que eu não havia solicitado esse apoio, mas depois avisaram que o Ministério da Educação autorizou que chamassem alguém para me ajudar. O problema é que demorou muito. Enquanto o profissional não chegava, Manfredi resolveu as questões, preencheu o cartão de respostas e fez o rascunho da redação.

— É claro que eu fiquei angustiado, temia que o transcritor não aparecesse. Então, sim, fui prejudicado porque poderia ter feito uma prova e uma redação melhores com mais calma. Com pouco tempo para transcrever a redação para a folha de respostas, Manfredi disse que teve de cortar muito do que havia no rascunho.  — Fiquei bem chateado, mas o importante é que passei a mensagem principal. Pela primeira vez senti que realmente existimos e podemos fazer diferença.

Desafio para se manter em uma universidade

Com a pontuação no exame anterior, Manfredi foi aprovado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conseguiu bolsa de estudos integral na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio para Filosofia. Ele optou por fazer a graduação na PUC, mas precisou trancar por não conseguir assistência necessária para acompanhar as aulas. A universidade ofereceu um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), que o estudante não utiliza. — A instituição se esforçou para ajudá-lo, mas acho que falta informação para saber qual tipo de apoio oferecer em cada caso. O problema é que, sem a assistência adequada, ele foi se sentindo incapaz, chateado por não acompanhar as aulas — contou a mãe do jovem, Carmem Terezinha Pereira, de 62 anos. No segundo semestre deste ano, Manfredi foi aprovado em História na UFRJ. Com sete disciplinas, cada uma de quatro horas semanais, ele também não teve o apoio de um intérprete. — Quando ele estava no colégio, em uma sala com no máximo 30 alunos, o professor falava olhando para ele, repetia quando necessário. Em uma sala de universidade, isso não acontece — disse Carmem. Com dificuldades enfrentadas nas duas instituições, Manfredi decidiu que faria o Enem pela última vez na esperança de encontrar uma universidade que oferecesse melhor apoio a alunos com deficiência auditiva. — A falta de recursos me impediu de estudar. Não tive condições de seguir o curso que queria. Ainda assim, não desisto. Procurada, a PUC-Rio disse ter o Núcleo de Apoio e Inclusão da Pessoa com Deficiência, que dá aos alunos suporte para acompanhar as rotinas acadêmicas. A UFRJ não comentou. O Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do ministério responsável pela prova, disse não ter tido resposta do consórcio que fornece os profissionais de apoio.

Inclusão no Ensino Superior

Para especialistas, o desafio da inclusão de deficientes é grande em todos os níveis educacionais, mas ainda maior no Ensino Superior. — Falta informação sobre o assunto, a profissão do intérprete é pouco valorizada e difundida. Algumas instituições têm dificuldade de encontrar esse profissional e há até aquelas que dizem para o deficiente pagar pelo intérprete. A acessibilidade é um direito — disse Carla Regina Tesser, pedagoga do Instituto Singularidades.

Levantamento feito em abril e publicado pelo Estado mostra que a participação de alunos com deficiência cai a cada etapa da educação. Nos anos iniciais do fundamental (1º ao 5º ano), 3% têm alguma deficiência – física e/ou intelectual. Nos finais, 2%. Já no ensino médio, a taxa cai para 0,9%. No ensino superior, que não é obrigatório, há ainda menos alunos com deficiência: só 0,5% do total.

 


Jovem surdo expõe falhas no Enem (O Tempo – Brasil – 07/11/2017)

O estudante de 20 anos, que também sofre com disgrafia profunda (dificuldade na escrita) e transtorno psicomotor em mãos e braços, só recebeu o auxílio de um transcritor nos 30 minutos finais da prova

Quando leu o tema da Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no domingo, Bernardo Manfredi, de 20 anos, imaginou que a única dificuldade seria escrever apenas 30 linhas. Diagnosticado com surdez severa, sempre estudou em escolas regulares, sofreu bullying e teve até matrícula rejeitada, mas também ganhou bolsa de estudos pelo bom desempenho. Apesar da proximidade com o tema, o candidato, que também sofre com disgrafia profunda (dificuldade na escrita) e transtorno psicomotor em mãos e braços, só recebeu o auxílio de um transcritor nos 30 minutos finais da prova. A Redação deste ano teve como tema os desafios para a formação de surdos no Brasil. A proposta, que segue a tendência da prova de fazer discussões sociais, surpreendeu os participantes e foi considerada desafiadora por especialistas. Foi a terceira vez que Manfredi prestou o Enem. No ano passado, ele foi um dos 77 candidatos que tirou nota máxima (mil) na Redação. Este ano, como nos outros, solicitou na inscrição o apoio de um intérprete de leitura labial e um transcritor para preencher o cartão de resposta e escrever a redação. Logo que chegou à sala de prova, foi informado de que não teria o transcritor. “Disseram que eu não havia solicitado esse apoio, mas depois avisaram que o Ministério da Educação autorizou que chamassem alguém para me ajudar. O problema é que demorou muito.” Enquanto o profissional não chegava, Manfredi resolveu as questões, preencheu o cartão de respostas e fez o rascunho da redação. “É claro que eu fiquei angustiado, temia que o transcritor não aparecesse. Então, sim, fui prejudicado porque poderia ter feito uma prova e uma redação melhores com mais calma.” Com pouco tempo para transcrever a redação para a folha de respostas, Manfredi disse que teve de cortar muito do que havia no rascunho. Fiquei bem chateado, mas o importante é que passei a mensagem principal. Pela primeira vez senti que realmente existimos e podemos fazer diferença.”

Desafio

Com a pontuação no exame anterior, foi aprovado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conseguiu bolsa de estudos integral na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio para Filosofia. Ele optou por fazer a graduação na PUC, mas precisou trancar por não conseguir assistência necessária para acompanhar as aulas. A universidade ofereceu um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), que o estudante não utiliza. “A instituição se esforçou para ajudá-lo, mas acho que falta informação para saber qual tipo de apoio oferecer em cada caso. O problema é que, sem a assistência adequada, ele foi se sentindo incapaz, chateado por não acompanhar as aulas”, contou a mãe do jovem, Carmem Terezinha Pereira, de 62 anos. No segundo semestre deste ano, Manfredi foi aprovado em História na UFRJ. Com sete disciplinas, cada uma de quatro horas semanais, ele também não teve o apoio de um intérprete. “Quando ele estava no colégio, em uma sala com no máximo 30 alunos, o professor falava olhando para ele, repetia quando necessário. Em uma sala de universidade, isso não acontece”, disse Carmem. Com dificuldades enfrentadas nas duas instituições, Manfredi decidiu que faria o Enem pela última vez na esperança de encontrar uma universidade que oferecesse melhor apoio a alunos com deficiência auditiva. “A falta de recursos me impediu de estudar. Não tive condições de seguir o curso que queria. Ainda assim, não desisto.” Procurada, a PUC-Rio disse ter o Núcleo de Apoio e Inclusão da Pessoa com Deficiência, que dá aos alunos suporte para acompanhar as rotinas acadêmicas. A UFRJ não comentou. O Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do ministério responsável pela prova, disse não ter tido resposta do consórcio que fornece os profissionais de apoio.

Dados

Para especialistas, o desafio da inclusão de deficientes é grande em todos os níveis educacionais, mas ainda maior no ensino superior. “Falta informação sobre o assunto, a profissão do intérprete é pouco valorizada e difundida. Algumas instituições têm dificuldade de encontrar esse profissional e há até aquelas que dizem para o deficiente pagar pelo intérprete. A acessibilidade é um direito”, disse Carla Regina Tesser, pedagoga do Instituto Singularidades. Levantamento feito em abril e publicado pelo Estado mostra que a participação de alunos com deficiência cai a cada etapa da educação. Nos anos iniciais do fundamental (1º ao 5º ano), 3% têm alguma deficiência – física e/ou intelectual. Nos finais, 2% Já no ensino médio, a taxa cai para 0,9%. No ensino superior, que não é obrigatório, há ainda menos alunos com deficiência: só 0,5% do total.

 


Enem dá notoriedade à educação de surdos (Extra – Educação – 07/11/2017)

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, os “desafios para a formação educacional dos surdos”, surpreendeu muitos candidatos, mas chamou a atenção para os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência auditiva cotidianamente. A avaliação é de Marcelo Cavalcanti, diretor geral do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), referência na educação desse segmento desde o século XIX. Para ele, a dificuldade de desenvolver um texto sobre a questão relatada por muitos candidatos do Enem é sinal de que falta informação sobre algo tão importante: — Isso mostra como é necessário discutir a inclusão, a acessibilidade e a realidade das pessoas surdas. Os principais desafios se referem às barreiras linguísticas. A Língua brasileira de sinais (Libras) é reconhecida em lei como a segunda oficial do país, mas a sociedade não está preparada para se comunicar com os surdos, que dependem principalmente dela, sua primeira língua. O educador ressalta que este foi também o primeiro Enem em que surdos puderam optar por videoprovas em Libras, permitindo maior entendimento do exame e de seus enunciados. A medida, observa, aumenta as chances de os surdos concorrerem em situação de igualdade a uma vaga no ensino superior. — O surdo precisa adquirir o conhecimento inicialmente através de sua língua natural, a de sinais. A partir dela, tem acesso à educação e pode desenvolver suas capacidades, como aprender a língua portuguesa — explica Cavalcanti. — Diferentemente dos ouvintes, os surdos enfrentam obstáculos na comunicação oral e, por isso, precisam de outra abordagem para a aquisição de uma língua. A educação bilíngue, com a presença de professores que dominem a língua de sinais e intérpretes colaboradores ativos no processo, permite o aprendizado com o uso da primeira língua dos surdos como base e a segunda (português) para um amplo acesso ao conhecimento. Localizado em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, o Ines tem aproximadamente 400 alunos matriculados no colégio de aplicação da instituição (da educação infantil ao ensino médio, apenas para surdos), cerca de 200 no ensino superior (graduação em pedagogia bilíngue e pós, para surdos e ouvintes), além de mais de 500 no curso de Libras. Em escolas que não são bilíngues ou especializadas, como o Ines, em geral, alunos surdos e ouvintes frequentam as mesmas aulas e salas e precisam do apoio de intérpretes de Libras. A História do Ines revela como a educação dos surdos é um desafio há muito tempo. O instituto foi criado no século XIX, por iniciativa do surdo francês E. Huet, que havia sido diretor do Instituto dos Surdos-Mudos de Bourges, na França. Em 1855, ele apresentou ao Imperador Pedro II um documento com a intenção de fundar a primeira escola para surdos no Brasil. O governo imperial apoiou a iniciativa e destacou o Marquês de Abrantes para acompanhar a criação da instituição. A nova escola começou a funcionar em 1º de janeiro de 1856, data em que também foi publicada a proposta de ensino apresentada por Huet: disciplinas de Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia, História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem Articulada, Doutrina Cristã e Leitura sobre os Lábios. Por ter sido por muito tempo a única instituição de educação de surdos no Brasil e até mesmo em países vizinhos, o Ines recebeu alunos de todo o país e do exterior, tornando-se referência para os assuntos de educação, profissionalização e socialização de surdos. Ao longo de sua história, passou por diversas transformações, que acompanharam a forma como a inclusão passou a ser considerada no país.