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11/07/2017 / Em: Clipping

 

Cotas sociais e raciais são um indício de que ventos novos sopram na USP? (Folha de S. Paulo – Colunas – 11/07/2017)

Passei o final de semana lendo histórias emocionantes de jovens PPI (pretos, pardos e indígenas) e brancos, cotistas em universidades públicas. Filhos de porteiros e de empregadas domésticas, de motoristas de ônibus e de manicures, de pedreiros e de faxineiras. Os primeiros universitários de suas famílias. Muitos netos de avós analfabetos. Jovens que enfrentaram as dificuldades da pobreza e as deficiências da escola pública. E que, graças a uma política pública, tiveram uma oportunidade que lhes permitiu chegar à universidade por esforço e mérito próprios. Não por assistencialismo nem por uma meritocracia insensível que preserva privilégios. Os receios de que as cotas rebaixariam o nível dos cursos, gerariam evasão ou afetariam a excelência da universidade não se verificaram. Segundo Naércio Menezes, do Insper e da USP, que estudou o sistema, “a nota dos cotistas no Enem é menor do que a dos não cotistas (senão as cotas não seriam necessárias), mas a diferença é pequena”. No acesso aos cursos de medicina das universidades federais, a nota para os não cotistas foi de 787 pontos e, para os cotistas, 761 pontos, uma diferença de 3%. A maior variação (11%) foi registrada nos cursos de economia. A diferença –que excluiria os cotistas se não houvesse reserva de vagas– pode ser igualada ou superada no decorrer dos cursos. A Uerj, a primeira a aderir às cotas, em 2003, analisou as notas dos alunos por cinco anos. Os cotistas tiveram, em média, desempenho ligeiramente superior aos não cotistas: 6,41 contra 6,37. Não há diferença significativa entre os dois grupos na evasão escolar. Finalmente, teremos cotas em todos os cursos da USP, a penúltima universidade a adotar essa exitosa política afirmativa. Em 32 anos de docência da USP, conto nos dedos os alunos PPI que tive nos cursos que ministrei. Minha experiência é a regra, sobretudo nas engenharias, direito, medicina, economia e arquitetura. As cotas vão apenas atenuar a distorção. Finalizada a transição, em 2021, apenas 18,75% das vagas serão reservadas para os PPI, embora eles sejam 37,5% da população do Estado e 52% do país. Os brancos pobres, egressos da escola pública, também terão espaço menor do que seu peso na população. A chamada elite branca –que frequenta as escolas privadas– ainda terá a maior fatia, 50% das vagas para apenas 17% dos que se formam no ensino médio. O sistema de cotas é necessário, mas insuficiente. Melhorar a educação básica, ampliar as vagas na universidade pública e aperfeiçoar as ações afirmativas é essencial para reduzir as desigualdades. Que a adoção das cotas não seja uma estrela solitária, mas um prenúncio de que ventos novos, de democratização, estão soprando na USP.

 


Unesp terá comissão para verificar declaração de cor de cotistas (Exame – Brasil – 10/07/2017)

A ideia, por enquanto, é submeter à checagem apenas os alunos que forem alvos de denúncias de falsa declaração

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai averiguar se alunos cotistas da instituição são realmente pretos ou pardos, como indicado na inscrição do processo seletivo. Segundo a instituição, o sistema foi criado após denúncias de falsas declarações entre candidatos cotistas. A ideia, por enquanto, não é verificar a etnia de todos os estudantes. Passarão pela checagem só alunos que forem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp. No futuro, há intenção de ampliar a abrangência da averiguação. E terá efeito retroativo: se houver denúncia, será avaliada a suposta inconsistência na autodeclaração dos já matriculados. Na análise, serão usados critérios físicos, como a cor da pele ou o tipo de cabelo. Diferentemente de outras comissões do tipo para vestibulares e concursos públicos, também poderão ser considerados, entre alunos com pele menos escura, aspectos subjetivos, como a identidade negra do candidato em contextos sociais ou culturais. “Há casos em que gostaríamos de considerar: estudantes que desenvolveram sua identidade em espaços de construção cultural negra, como escola de samba, capoeira ou organização quilombola”, explica Juarez Tadeu de Paula Xavier, assessor da Pró-reitoria de Extensão Universitária da instituição. Esse perfil sociocultural pode ajudar o aluno a seguir na instituição, mas não significa que será obrigatório para ter direito à cota. A universidade diz que vai dar amplo direito de defesa aos avaliados, como o uso de fotografias, documentos e vídeos. A análise será feita caso a caso. O estudante será avaliado por uma comissão formada por professores alunos e funcionários. Caso não seja enquadrado como preto ou pardo, será excluído da universidade. O mecanismo foi criado após denúncias levadas pela ONG Educafro – que busca a inclusão de pobres e negros na educação – e por coletivos da universidade. Houve queixas em pelo menos metade dos 24 municípios onde a Unesp tem câmpus, segundo Xavier. “É um volume considerável”, diz ele, sem precisar números. Todas ainda estão em apuração. Em 2013, a Unesp foi a primeira a adotar cotas entre as estaduais paulistas, de forma escalonada. Agora, a reserva é de 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse grupo, 35% para pretos, pardos e indígenas (PPI), segundo a distribuição populacional no Estado de São Paulo medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 7.403 calouros da Unesp neste ano, 1.922 – 26% do total – são PPI.

De olho

Frei David Santos, diretor executivo da Educafro, afirma que o movimento negro é defensor da autodeclaração. “Mas ela só tem valor se houver uma comissão antifraude.” É comum que falsos cotistas, segundo ele, usem truques para se passarem como pretos e pardos – desde o uso de turbantes até o bronzeamento artificial. Para o ativista, deve ter direito a cotas raciais aquele que enfrenta preconceito pela aparência. Uma pessoa de pele clara, ainda que tenha familiares negros, sofre pouco com a discriminação, diz. Ele propõe que as universidades atuem em três frentes: obrigar os fraudadores a ressarcirem a instituição, usar o dinheiro para um fundo de bolsas para estudantes negros e criar edital para que a vaga aberta após o desligamento do falso cotista seja ocupada por um candidato PPI. A ideia também é alvo de críticas. Para o professor de Direito Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, comissões como essa “criam uma segregação justamente onde se queria evitar”, uma vez que “vai continuar marcando aquele aluno como ‘uma pessoa especial’ que precisa provar o quanto é especial, o que anula o principal proveito da política inclusiva, que é criar diversidade”. Marques diz ainda que “a quantidade de melanina na pele não é fator objetivo que define se o sujeito é ou não merecedor da inclusão”.