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13/06/2017 / Em: Clipping

 

Novo coordenador da Comvest prioriza proposta para cotas e afasta mudanças em formato do vestibular da Unicamp (G1 – Campinas e Região – 13/06/2017)

José Alves de Freitas Neto preside grupo que irá elaborar plano para novo sistema de inclusão na universidade. Professor do IFCH comenta sobre grupos contrários e descarta ‘vestibular de inverno’.

O novo coordenador executivo da comissão responsável por organizar os vestibulares da Unicamp (Comvest), José Alves de Freitas Neto, é categórico ao eleger as prioridades à frente do cargo em entrevista ao G1: colaborar para a definição do modelo de cotas étnico-raciais que será aplicado a partir do processo seletivo de 2019, e manter a qualidade na seleção de milhares de estudantes. “A pauta mais imediata e que talvez vá marcar a minha gestão é implementar as cotas na Unicamp. Meu principal objetivo é agilizar e dar a credibilidade da Comvest nesse processo todo”, explica o professor do Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Ele presidirá o grupo de trabalho criado pelo Conselho Universitário (Consu) para elaborar o sistema. A expectativa é de que até 30 de agosto seja concluído um relatório pela equipe de 13 integrantes, com sugestões para uma série de debates nas faculdades e institutos nos campi de Campinas (SP), Piracicaba (SP) e Limeira (SP). Já a votação da proposta está marcada para 21 de novembro. De acordo com texto aprovado pelo Consu, o plano deverá preservar meta de 50% dos estudantes oriundos da rede pública – por curso e turno – e ainda buscar a meta de 37,5% de autodeclarados pretos, pardos e indígenas, segundo parâmetro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no estado de São Paulo. Além disso, ele deverá ser complementada por critérios adicionais. “Essa é uma pauta antiga, tem a ver com a questão da representatividade dos grupos sociais dentro da própria universidade e a demanda foi amadurecida ao longo do tempo. A política de cotas se impôs como uma demanda da sociedade, movimentos organizados e a universidade achou por bem que esse é o momento de dar a acolhida”, destaca Freitas Neto. Sem fazer estimativas do percentual de vagas que serão asseguradas, o coordenador executivo da Comvest lembra que 22% dos ingressantes no vestibular 2017 são autodeclarados pretos, pardos e indígenas, mas não há uma distribuição uniforme por cursos – o que será possível com as cotas. Além disso, pondera que o novo sistema deve ser desenvolvido de maneira que seja sustentável. “Não basta ter somente política de acesso, mas também pensar a lógica de permanência. Ela não é pura e simplesmente matriz financeira, se pensarmos em bolsas para alimentação e transporte, mas suporte necessário para desenvolvimento dos estudantes”, destacou sobre a expectativa de mudança no perfil dos novos ingressantes, a ser considerada nas análises do grupo de trabalho. Em meio à crise econômica, a Unicamp estima déficit orçamentário de R$ 249,3 milhões até dezembro. Entre os outros 12 integrantes da equipe estão o coordenador de pesquisa da Comvest, Rafael Pimentel Maia, dois integrantes dos movimentos Pró-Cotas e Núcleo da Consciência Negra, três representantes do Consu, dois membros da comissão central de graduação, um servidor técnico-administrativo, um representante discente e dois indicados pelo grupo que organizou audiências públicas sobre o tema em 2016, após reivindicação feita por estudantes durante uma greve.

Aprimoramentos

Durante reunião do Consu, também ficou decidido que será avaliada a hipótese da Unicamp ter uma oferta parcial de vagas dos cursos de graduação pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) – que usa como critério a nota obtida pelo candidato no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Freitas Neto destaca, ainda, que haverá necessidade de aprimoramentos do Programa de Ação Afirmativa (Paais) – concede bônus para os alunos oriundos da rede pública e autodeclarados pretos, pardos e indígenas nas duas fases do processo seletivo; e do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis), responsável por garantir uma vaga de curso sequencial por escola de Campinas e que usa o desempenho do candidato no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “O desenho será feito pelo GT [grupo de trabalho], mas deve ser um mix de sistemas. O Paais talvez tenha de ser reformulado atrelando-se inclusive à escola pública que não seja apenas o ensino médio, mas também fundamental dois […] E essa bonificação também deve ser rediscutida”, avalia. Segundo o coordenador, experiências de outras universidades são observadas para as discussões.

Formato do vestibular

Freitas Neto afastou a hipótese de mudanças no formato das provas em 2019.

“Qualquer mudança tem que ser muito bem antecipada. Não temos condições de fazer duas mudanças ao mesmo tempo. […] Não dá para mudar o perfil de candidatos, junto com perfil das provas, porque não teremos como fazer mínima comparação de resultados entre um ano e outro.” Além disso, ele avaliou de forma positiva a ampliação das questões multidisciplinares na primeira fase do processo seletivo de 2017. “Elas são muito bem-vindas, estimulam um determinado tipo de raciocínio e de habilidade dos candidatos, e isso vai permanecer assim”, destaca o docente.

Vestibular de inverno

Freitas Neto descarta a possibilidade da Unicamp criar um “vestibular de inverno” nas edições dos próximos anos – modelo já adotado no estado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Temos a estrutura de funcionamento da universidade com a entrada anual e isso já nos satisfaz. Fazer uma divisão não agregaria nada dentro do perfil, tanto pelos aspectos de custo e operacional. Teria sentido fazer se tivéssemos ampliação de vagas. Isso [novo processo] não está em pauta.”

Garantia de qualidade

Em relação às manifestações de profissionais da universidade contra a política de cotas, o professor avalia que a sociedade vive um momento bastante complexo e ressalta que a universidade manterá qualidade no desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa. “Essas reações estão no bojo da manifestação de um pensamento conservador. Eu entendo aqueles que são contrários às cotas como critério para ingresso, mas não aqueles que dizem que esse critério significará a perda da qualidade. Em nenhuma universidade significou isso”, pontua ao lembrar que a diferença de desempenho dos estudantes da rede pública dos demais candidatos aprovados no vestibular é igualado ou até mesmo superado durante a graduação. “Há pessoas estão julgando, emitindo opiniões que muitas vezes resvalam em preconceitos, sem conhecer os dados objetivos e abertos à própria comunidade. Não é uma decisão aleatória, irresponsável, a Unicamp quer ser uma universidade mais inclusiva” ressalta.

 


 

Os engenheiros e o desenvolvimento (O Globo – Política – 13/06/2017)

A formação de um engenheiro constitui-se numa árdua tarefa, que se inicia por um processo de sedução pela profissão, dirigido aos jovens do ensino médio. Por isso, vejo com alguma preocupação o processo de crescimento dos nossos cursos, em que muitas das estruturas curriculares estão bem distantes daquilo que se espera para um profissional qualificado e com as ferramentas necessárias ao enfrentamento dos desafios trazidos pelos contínuos avanços da tecnologia. Uma das causas dessas dificuldades vem da qualidade insuficiente do ensino médio. Também é preciso ter em mente que, nos tempos atuais, o intervalo de tempo decorrido entre uma descoberta nas bancadas dos laboratórios, ou uma inovação, e a sua  inevitável obsolescência está sendo cada vez menor. A educação do engenheiro moderno compreende a geração das culturas da educação continuada, da inovação e do empreendedorismo. As estruturas curriculares devem assegurar inúmeras habilidades, como a argumentação e síntese associada à expressão em língua portuguesa, a assimilação e aplicação de novos conhecimentos, o raciocínio espacial lógico e matemático, o raciocínio crítico, observação, interpretação e análise de dados e informações, a leitura e interpretação de textos técnicos. Todas elas são decisivas para o exercício profissional na sociedade do conhecimento. Como a inovação depende do ambiente social, das tecnologias em uso num dado momento e do conhecimento cientifico disponível, esta formação necessita ser abrangente e multidisciplinar, garantindo uma sólida preparação nas disciplinas que irão se constituir na base do exercício profissional, como matemática, física e química, e habilitando os novos profissionais a ocupações nas suas áreas, ou mesmo em outras áreas, já que as profissões se transformam e, em alguns casos, desaparecem. É importante também fazer com que a formação do engenheiro brasileiro se realize por meio de uma forte articulação da universidade com a empresa inovadora, seja pelo estímulo à criação de incubadoras e parques tecnológicos, seja pela realização de projetos conjuntos. Estágios supervisionados são indispensáveis do processo de formação. Além disso, é igualmente importante atrair talentos de outros países e reconhecidos pela sua capacidade inovadora. Temos hoje cerca de 600 mil estudantes matriculados em nossos 3 mil cursos de graduação de engenharia, com baixíssimo percentual de conclusão, pois andamos por volta dos 50 mil diplomados anualmente (a Rússia forma mais de 400 mil e o México 115 mil). O número de matriculados corresponde a menos de 10% do total de estudantes no ensino superior. Outro dado ruim é que apenas 42% trabalham em sua área de formação e desses, só 50% estão na indústria. A recuperação da economia exige muitas medidas simultâneas aos ajustes econômicos e financeiros, entre elas a formação de quadros técnicos, a capacitação daqueles que já estão no mercado e o aumento da oferta de novos postos de trabalho. Por isso, priorizar os conteúdos locais (proporção dos investimentos nacionais aplicados em bens ou serviços e que representam a parcela de participação da indústria nacional na sua produção) e apoiar efetivamente às micro e pequenas empresas, que certamente permitirão o aumento da demanda por engenheiros e técnicos, reformular os currículos, e incrementar as relações universidade-empresa, são algumas das ações necessárias. A crise atual, que todos os brasileiros esperam estar sendo superada, não pode e não deve servir de justificativa para o descumprimento dessas tarefas.