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18/06/2009 / Em: Clipping

 

O peso do exame  (Revista Ensino Superior – Edição 129)

Ministério da Educação estuda usar novo Exame do Ensino Médio em substituição ao Enade para os ingressantes no ensino superior. A tendência é que a prova gere ranqueamento entre as próprias universidades, que disputarão os melhores alunos. As mudanças anunciadas pelo Ministério da Educação na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vão alterar mais o cotidiano das instituições de ensino superior particulares do que se poderia supor num primeiro momento. A partir do novo modelo nacional, os alunos terão maior poder de influência nos processos de avaliação e de construção de imagem das instituições. Isso porque o Ministério estuda substituir o Enade aplicado aos ingressantes do ensino superior pelo novo exame, o que influencia diretamente na nota de indicadores como o Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC). Além disso, com a divulgação das notas, as instituições deverão passar a disputar a imagem de quem tem os melhores estudantes.  Conceitualmente, a substituição da prova feita pelos ingressantes no âmbito do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já está formatada e foi, inclusive, testada com sucesso. Contudo, como existe uma série de questões logísticas para operacionalizar a substituição – somada a todas as complicações inerentes à transformação do Enem num vestibular único para as instituições federais ainda neste ano -, a novidade deverá ser implementada apenas em 2010. O que o Ministério da Educação pretende é transformar o resultado do Enem numa linha de base para medir as competências e habilidades dominadas pelo aluno no momento em que ele conclui o ensino médio, ou no ano anterior ao seu ingresso na faculdade, já que o Exame continuará aberto a todas as pessoas que se proponham a passar pela avaliação, desde que tenham concluído o ensino médio. Na prática, entretanto, o modelo ficaria misto, já que não serão todos os alunos que farão obrigatoriamente o Enem. A proposta prevê que esses estudantes farão a prova do Enade ao final do primeiro ano de graduação; mas essa prova terá novo formato, assumindo características semelhantes às do Enem e ficará restrita aos conhecimentos gerais de Língua Portuguesa e Matemática. Isso é tecnicamente possível porque a espinha dorsal do Enem, a Teoria de Resposta ao Item (TRI), também será adotada na prova aplicada aos alunos ingressantes, estabelecendo uma base comum para comparar os alunos que passaram pelo Enem e aqueles que fizeram o Enade. Simplificando, pode-se dizer que a TRI estabelece uma “régua” unificada para medir o rendimento, já que ela permite que se elaborem exames para mensurar as habilidades dos indivíduos por meio de uma prova com questões de diferentes níveis de dificuldade. O nível de habilidade dos alunos é medido a partir do conjunto de itens que ele acerta – quanto maior o número de acertos em questões difíceis, maior a pontuação. Se for utilizado o mesmo banco de itens (questões) para elaborar ambas as provas e se as duas tiverem a mesma proporção de questões fáceis, médias e difíceis, existe uniformidade entre os dois grupos de iniciantes – aqueles que fizeram o Enem e os que fizeram o Enade. Outro aspecto que levanta questionamentos é a comparação entre o rendimento inicial e o final do aluno. De acordo com a proposta em discussão, a comparação será possível a partir de um modelo matemático a ser desenvolvido para viabilizar a comparação do desempenho do aluno no Enem (ou na avaliação de entrada do Enade) com aquele obtido ao final da graduação. A prova de entrada, portanto, seria genérica, e o Enade aplicado ao final do curso permaneceria o mesmo, mantendo as questões de conhecimento específico.  Em linhas gerais, esse modelo matemático deve fornecer parâmetros para mensurar a evolução do aluno, a partir de referências que estabelecerão um grau de desenvolvimento esperado. Isso, de certa maneira, já é feito por meio do Índice de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD).O que dizem os defensores da nova proposta é que, com o Enem, a medida da evolução do aluno fica mais precisa, por consistir em uma linha de base mais fidedigna para se efetuar a comparação. Como o aluno faz o Enem antes de entrar na faculdade, o resultado obtido não é influenciado pela experiência do primeiro ano de vida universitária. Além disso, o aluno terá mais comprometimento com o Exame, que serve também para a admissão universitária. A principal influência da medida do valor agregado para as instituições de ensino será para efeitos de regulação, ou seja, para a concessão de autorização de novas instituições e reconhecimento de cursos, por exemplo. Além de ampliar o poder do aluno, que agora passa a influenciar os índices como CPC e IGC com duas notas, a crença no Ministério da Educação é a de que, dentro do novo modelo, será possível identificar, por exemplo, uma instituição ou curso que tenha tido um conceito ruim no Enade, mas que desenvolveu um bom trabalho, agregando muito conhecimento aos alunos. Esse efeito pode influir positivamente na avaliação, além de permitir a construção de indicadores mais eficazes para medir a qualidade do ensino. Além de interferir nas questões que envolvem o processo de regulação, a forma como o novo Enem será usado nos processos seletivos pode vir a afetar, de maneira positiva ou negativa, a imagem das instituições de ensino superior – e mesmo criar um ranking de qualidade baseado na nota dos alunos ingressantes. Isso porque muitas instituições deverão adotar uma nota mínima (nota de corte), o que poderá acarretar duas consequências: caso adote uma nota muito alta, pode ficar com vagas ociosas; caso adote uma nota muito baixa, pode ser vista como uma instituição pouco exigente.  Para Marcos Facó, superintendente de marketing da FGV, algumas instituições vão conseguir preencher suas vagas com notas de corte bem altas, acima de 8, por exemplo. Essas serão muito bem-vistas e consideradas de alta qualidade. Outras vão aceitar qualquer nota, mesmo as muito baixas. Essas tendem a mencionar apenas que aceitam o Enem e não adotam nota de corte. “Nesses casos, a estratégia de marketing será frisar que têm, em seus quadros de alunos, cinco estudantes com nota 10 no Enem, por exemplo.” Roberto Lobo, diretor do Instituto Lobo, consultoria especializada em educação, frisa que muitos alunos querem conviver com bons estudantes e estão dispostos até a pagar mais por isto. “Esse efeito de dizer que vieram os alunos com melhores notas no Enem será cada vez mais explorado pelas instituições que buscam este aluno diferenciado”, acredita o consultor. Facó lembra que atualmente não há como comparar o grau de dificuldade dos diversos processos seletivos para afirmar qual instituição é mais ou menos exigente. Com as notas do Enem haverá uma qualificação clara do aluno, o que pode vir a formar um ranking qualitativo.  Por enquanto, as instituições de ensino superior particulares ainda aguardam a consolidação do novo Enem para decidir se irão usá-lo em substituição ao vestibular. A tendência é manter um sistema híbrido enquanto se aguardam os resultados da primeira prova. Marcos Facó não descarta a hipótese de a FGV vir a trocar seu vestibular pelas notas do Enem, mas menciona como problema o calendário incerto: a instituição ainda não sabe quando o governo irá divulgar as notas do exame. E, mesmo depois de liberadas as notas, a instituição ainda terá de esperar pelo resultado da seleção nas universidades federais e em outras instituições para que o aluno faça sua opção e, depois, a matrícula. No modelo atual do vestibular acontece situação parecida, mas, segundo Facó, existe um processo claro de datas e prazos. Outro entrave para a adoção das notas do Enem como único critério de seleção nas instituições privadas é que algumas buscam, em seus processos seletivos, um perfil determinado de alunos. Ou a complexidade de cursos que exigem provas de conhecimento específico para o ingresso, como música ou arquitetura. Além disso, a instituição pode ver como vantajoso mesclar perfis. É o caso, por exemplo, da PUC-RJ. Alfredo Jefferson, coordenador central de graduação da PUC-RJ, diz que o assunto ainda está sendo debatido pelo colegiado, mas a universidade não pretende alterar sua forma de seleção, que reserva 50% das vagas para alunos que fazem o vestibular e 50% para alunos do Enem. “O Enem tradicional tem trazido alunos com formação mais genérica e mais maduros, mas não sei como vai ser a nova prova. O vestibular nos traz um tipo de aluno com conhecimento mais específico. São alunos bons e de perfis diferentes”, explica Jefferson.Um outro problema é a questão da segurança. Roberto Lobo lembra que há um enorme aparato para tentar conter a fraude nos vestibulares mais concorridos. Há organizações de vestibulares, inclusive, que usam equipamentos para bloquear sinal de rádio ou cola eletrônica. Com o Enem, a responsabilidade pela segurança passa para o Estado. “Não acredito que o governo irá garantir esse grau de controle em todas as salas de aula do país onde a prova do Enem esteja sendo feita”, diz.Facó pensa de forma parecida. Segundo o superintendente de marketing da FGV, a preocupação com a fraude é um dos elementos que a instituição está considerando antes de decidir como irá usar a nota do novo Enem. “Não teremos como ter 100% de certeza de que a prova foi feita com imparcialidade. Hoje, no vestibular da FGV, monitoramos o uso de aparelhos eletrônicos em sala, as idas ao banheiro e até usamos um leitor de impressão digital na hora da prova e na hora da matrícula”, diz Facó. Segundo ele, talvez a FGV opte por adotar algum sistema secundário ou de apoio para seleção mais criteriosa. “São todos esses fatores que estamos tentando levantar antes de tomar qualquer decisão. Eles vão surgindo com as discussões. É tudo muito novo ainda.” Então, quais as vantagens para as instituições privadas adotarem o novo Enem como critério de seleção? Uma delas é o caráter nacional do exame. Facó diz que de 8% a 10% dos alunos da FGV vêm de outros estados. Caso adote o Enem como prova única, esse número poderá aumentar para 20% ou 30%. “A unificação da prova facilita a vinda de alunos. A maratona de vestibulares acaba”, afirma Facó. Para Jefferson, aceitar a nota do Enem em processo paralelo ao vestibular é uma forma de dar mais tranquilidade ao aluno. “Alivia um pouco a pressão de ter que ir bem em uma única prova, em um único dia”, diz o coordenador central de graduação da PUC-RJ. Na universidade, os candidatos podem concorrer das duas formas e um software escolhe a melhor opção para o aluno.
Usar as notas do Enem também pode ser uma forma de conseguir mais alunos e democratizar o acesso ao ensino superior. Paulo Alonso, reitor do Centro Universitário da Cidade (UniverCidade), acredita que a melhor forma de atender seu público alvo é multiplicar as formas de acesso ao ensino superior, o que inclui permitir a matrícula de alunos oriundos do novo Enem. Alonso diz, por exemplo, que, após o prazo de três anos para a consolidação do novo Enem, a UniverCidade poderá compatibilizá-lo com as políticas afirmativas já adotadas no centro universitário e com outras modalidades de seleção. “Desse modo, poderá permitir preencher as vagas remanescentes ao fim da sua seleção”, explica Alonso.

Proposta é bem vista

Alfredo Jefferson, coordenador central de graduação da PUC-RJ, defende o uso da nota do novo Enem no lugar da avaliação feita pelo Enade com os alunos ingressantes. Para ele, o Enem é muito mais adequado do que a prova do Enade, para avaliar quem ingressa no ensino superior, porque é feito antes de o aluno de fato entrar na universidade, quando ainda não tem nenhum conhecimento agregado pela instituição. “Acho um bom caminho”, diz Jefferson.

Uma sugestão, esta dada pelo presidente do Semesp, Hermes Ferreira Figueiredo, é que o governo federal aproveitasse o dia de realização da prova do Enem para cadastrar todos os alunos que se interessassem pelo ProUni. Figueiredo explica que, normalmente, o calendário do ProUni não bate com o das instituições privadas.

O resultado sai após o período de matrícula, o que provoca muito tumulto – o aluno deixa de se matricular ou já se matriculou e pede o dinheiro de volta. Para Figueiredo, caso o cadastro fosse feito no dia da prova do Enem, em outubro, quando as notas fossem divulgadas, em janeiro, quem teve seu pedido de bolsa do ProUni aprovado teria o resultado a tempo.

 

Federais aderem aos poucos

A proposta do Ministério da Educação é que o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) venha a substituir os exames vestibulares realizados pelas 55 universidades federais e unifique nacionalmente os processos seletivos para facilitar a mobilidade dos alunos. Os estudantes fariam a prova em seus estados de origem e escolheriam o curso e a instituição de acordo com a nota obtida. Desta forma, um aluno poderia tentar uma vaga em várias universidades ao mesmo tempo, sem ter de fazer vários vestibulares.

Como as universidades federais gozam de autonomia, nem todas aderiram à proposta neste ano. Das 55 universidades federais do país, apenas 22 optaram por substituir o vestibular pela nota do Enem. Outras 14 irão mesclar o Enem a seus processos seletivos. Das 19 restantes, nove decidiram não utilizar a nota do Enem no processo seletivo deste ano e dez ainda não decidiram o que fazer.

Foram quatro as formas de adesão das federais ao novo Enem: abolir o vestibular e substituí-lo pelo Enem, usar o Enem como primeira fase do vestibular, combiná-lo ao vestibular da universidade ou utilizá-lo para preencher as vagas remanescentes.