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18/06/2015 / Em: Clipping

 


Padrão Xangai   (O Estado de S.Paulo – Opinião – 18/06/15)

O fato de cinco ou seis universidades brasileiras – como USP, Unicamp, Unesp, UFRJ, UFRS e UFMG – aparecerem em rankings internacionais (Universidade de Xangai, Times Higher Education, revista Nature, etc.) entre as 500 ou 600 mais importantes do mundo tem sido comemorado com entusiasmo nos meios acadêmicos do País, em especial, pelo establishment universitário e por dirigentes de agências de fomento. Estranho paradoxo: o que deveria ser motivo de demérito é visto como sinal de pujança e louvor. Situação inexplicável em se tratando de universidades de um país que tem uma das dez maiores economias industriais do mundo. Buscando responder às exigências de ascensão nos rankings, o establishment das universidades públicas tem procurado adotar e implementar um padrão de produção e reprodução, gestão e difusão científicas, disseminado internacionalmente nas últimas décadas a partir de universidades americanas e, em seguida, reciclado no Oriente – Xangai, Hong Kong, Jacarta, Seul, Taipé, etc. Padrão esse – inspirado em preceitos de políticas neoliberais que bafejaram a Europa e os Estados Unidos nas décadas de 1980-1990 – que tem por fundamento a mercantilização do trabalho intelectual e científico, a competitividade, a produtividade, o empreendedorismo, a objetividade, a racionalidade instrumental e a internacionalização, dentre outros elementos. Esse padrão tem sido incorporado por meio de um movimento lento e gradual, muitas vezes quase imperceptível. De um lado, como contraponto ao corporativismo e à inépcia produtiva acadêmica e científica de áreas numericamente consideráveis do corpo docente; de outro, como reação do conservadorismo ascendente às teorias críticas e de caráter público, reputadas como improfícuas, especulativas e ideológicas. De certo modo, pode-se dizer que isso marca o desfecho de um processo longo e incompleto de americanização das universidades brasileiras, iniciado no final dos anos 1960.



University of São Paulo   (Folha de S.Paulo – Editorial – 18/06/15)

A USP deu um pequeno passo que poderá revelar-se precedente de consequências gigantescas para o relativo isolamento do meio universitário brasileiro: autorizou suas primeiras disciplinas de graduação em língua estrangeira. A licença vale só para matérias optativas, mas já é um começo.  Não que a principal instituição superior do país não mantivesse contatos e vínculos com o exterior. Ela nasceu como universidade, em 1934, com a contribuição inestimável de uma missão francesa composta de jovens intelectuais que ganhariam projeção mundial, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e o historiador Fernand Braudel (1902-1985).  Não foram poucos, desde então, os catedráticos estrangeiros que ajudaram a formar brasileiros. Tampouco era incomum, até o final do século 20, que pesquisadores nacionais cursassem a pós-graduação em países avançados (hoje em dia é mais usual obter mestrado e doutorado no Brasil).  O caminho inverso, no entanto, costuma ser pouco trilhado. A USP atrai escassos estudantes além-fronteiras, em especial para os cursos de graduação: apenas 1.440, segundo registro de janeiro, aí incluídos todos os que afluíram a ela por meio de convênios.  Há na instituição paulista 55.451 alunos, de modo que a parcela de estrangeiros na graduação corresponde a meros 2,6%. Em universidades verdadeiramente internacionalizadas, como a americana Harvard, essa proporção chega a 11%.  Até a recente autorização, uma matéria só poderia ser oferecida na USP em inglês, por exemplo, se apresentada também, simultânea e inviavelmente, em português.  Agora, alunos brasileiros e estrangeiros passam a ter a opção de cursar ao menos algumas disciplinas em outra língua. Para os nacionais, surge a oportunidade de familiarizar-se com o vocabulário técnico e conceitual de sua área de especialidade em outro idioma.  Para atrair estudantes do exterior, contudo, ainda é pouco. A USP deveria considerar o exemplo da Fundação Getulio Vargas (FGV), que anunciou um curso de administração todo ele dado em inglês.  Esse passo mais ousado serviria ainda para fazer a USP ganhar pontos em rankings internacionais que valorizam tais iniciativas.  O principal benefício, porém, viria da volta dos formandos para os países de origem. Os vínculos aqui criados favoreceriam a inserção da USP em redes mundiais de pesquisa e o enraizamento de sua boa reputação em solo estrangeiro.