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29/03/2012 / Em: Clipping

 


Pasquale Cipro Neto

Feriado, jogo do Brasil e cerveja   (Folha de S.Paulo – Cotidiano – 29/03/12)

ESTAVA NA primeira página de um site, há uma ou duas semanas: “Comissão aprova feriado em dia de jogo do Brasil e cerveja em estádio“. Prato cheio para uma das já tradicionais questões de vestibulares (o da Unicamp, por exemplo) que pedem ao candidato que traduza os efeitos “estranhos” que a ordem das palavras dá ao sentido de determinadas frases. Estruturalmente, a frase em questão pode ser ambígua, já que dela se pode entender que: a) foram dois os itens aprovados pela tal comissão (1 – feriado em dia de jogo do Brasil; 2 – cerveja nos estádios); b) o feriado está condicionado a dois itens (1 – jogo do Brasil; 2 – cerveja no estádio -jogo do Brasil sem cerveja no estádio, nada de feriado). É claro que com um pouco de boa vontade se chega àquilo que o redator efetivamente quis dizer, ou seja, que a tal comissão aprovou dois itens (cerveja nos estádios e feriado em dia de jogo do Brasil), mas a ordem dada aos termos não nos leva imediatamente a essa compreensão. Como o caro leitor certamente já pôde perceber, teria sido melhor inverter a ordem dos termos. Vamos lá: “Comissão aprova cerveja em estádio e feriado em dia de jogo do Brasil”. A frase cai lisa logo de cara, não? Na última terça-feira, em sua coluna nesta Folha (“A Língua e o Poeta”), Hélio Schwartsman afirmou que, em determinado contexto (o comentário que ele, Schwartsman, faz a partir da tese de Noam Chomsky de que a capacidade para a linguagem é inata), “uma frase ambígua é mais ‘errada’ do que uma que fira as caprichosas regras de colocação pronominal”. Assino embaixo, o que, para o leitor habitual deste espaço, não é nenhuma novidade. E por que a referência ao que escreveu Schwartsman? Porque o título jornalístico que comentei hoje é prova viva do que diz o caro articulista. Já perdi a conta de quantas vezes comentei neste espaço trechos e títulos jornalísticos de difícil compreensão ou de compreensão não imediata. A usina vai a mil; a produção não tem fim. No jornal de papel, existe o fator espaço, muitas vezes verdadeiro; na internet, esse fator tem peso zero (ou quase zero), já que a “manobrabilidade” é muito maior. Qual será, então, o motivo de tantos títulos ruins? A pressa? Sabe Deus! Quer outro? Prepare-se para mais um contorcionismo. Lá vai: “Palmeiras encara primeiro teste para driblar pressão da torcida contra Ajax”. Elaiá! O que faz aí a preposição “contra”? Liga “pressão” a “Ajax”, ou seja, indica que a pressão é contra o Ajax? Ou será que a pressão é da torcida do Palmeiras contra o próprio time? Sim, sim, já sei, o conhecimento de mundo nos faz entender que o sentido pretendido pelo redator etc., etc., etc., mas… Mas sonhar com a alteração na ordem nos termos e a consequente obtenção da clareza não é exigir muito, é? Vamos lá: “Contra Ajax, Palmeiras encara primeiro teste para driblar pressão da torcida”. Viu como é simples? Por que será que muitos dos que escrevem não pensam no fator ordem? Será que isso revela linearidade do pensamento? Bem, antes que me esqueça, o termo “driblar” não parece o mais adequado à mensagem citada no parágrafo anterior (“aplacar” talvez fosse melhor), mas isso (o vocabulário) é outra história. É isso.



Tolices curriculares   (O Estado de S.Paulo – Notas e Informações – 29/03/12)

Há dois meses, o Conselho Nacional de Educação (CNE) baixou a Resolução n.º 2/12, definindo as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que é considerado desvinculado da realidade social e econômica do País, quando comparado aos programas do ensino fundamental e superior.Elaborada com base num extenso parecer aprovado uma semana antes pelo Ministério da Educação (MEC), a Resolução tem 23 artigos, muitos deles caracterizados por uma retórica vazia. A Resolução, por exemplo, propõe a incorporação, como conteúdo obrigatório do currículo do ensino médio, “do reconhecimento e atendimento da diversidade e diferentes nuances da desigualdade da exclusão na sociedade brasileira”. Também recomenda “a valorização dos direitos humanos, mediante temas relativos a gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência”. E enfatiza a importância de “práticas que contribuam para a igualdade e enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminação e violência” e de “atividades intersetoriais de promoção da saúde física e mental, saúde sexual e saúde reprodutiva e prevenção do uso de drogas”. Não são apenas esses os parágrafos da Resolução tautológicos ou ininteligíveis. “O trabalho é conceituado na sua perspectiva ontológica de transformação da natureza, como realização inerente ao ser humano e como mediação no processo de produção de sua existência” – diz o § 1.º do inciso VIII do artigo5.º da Resolução. “A organização curricular deve oferecer tempos e espaços próprios para estudos e atividades que permitam itinerários formativos opcionais diversificados, a fim de melhor responder à heterogeneidade e pluralidade de condições, múltiplos interesses e aspirações dos estudantes”, determina o inciso XI do artigo 14. “O projeto político-pedagógico, na sua concepção e implementação, deve considerar os estudantes e professores como sujeitos históricos e de direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade e singularidade”– reza o §2.º do artigo 15 da Resolução. E vai por aí afora. Além disso, a Resolução do CNE impõe ao currículo do ensino médio quatro áreas de conhecimento e  nove matérias obrigatórias, chamadas de “componentes curriculares com especificidades e saberes próprios e sistematizados”, subdivididas em doze disciplinas. O novo currículo vai na contramão dos países desenvolvidos,onde o ensino médio não tem um programa mínimo obrigatório. A diversificação é vista naqueles países como forma de adequar melhor o ensino à realidade cultural, econômica e social dos estudantes. Não são de estranhar, portanto, as críticas que têm sido feitas à Resolução n.º 2/12. “O Brasil não diversifica e mantém a idéia de que todo mundo tem de fazer a mesma coisa”, diz João Batista Araújo e Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, depois de classificar o texto da resolução como “erudição boba”. “É uma montoeira de matérias. O resultado é que ninguém aprende, só decora. No resto do mundo, há segmentação ”, afirma o economista Cláudio Moura Castro. “Acredito em soluções mais individualizadas e segmentadas, porque há muitas diferenças”, assevera Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação. Além das altas taxas de evasão, o ensino médio esbarra no despreparo dos alunos – por exemplo, 85% dos estudantes desse ciclo ingressam na 1.ª série da rede pública com um nível de conhecimento equivalente ao da 5.ª série do ensino fundamental. Segundo o MEC, 50,9% dos jovens de 15 a 17 anos não estão matriculados no ensino médio, onde o índice de reprovação é de 13,1%. Dos estudantes que completam as três séries do ciclo, metade obtém média inferior a 4 na prova objetiva do Enem. Ao justificar a Resolução n.º 2/12, alguns membros do CNE alegaram que ela foi um “resultado de opções” e que “nem todo mundo pensa a escola do mesmo jeito”.O que eles não conseguiram explicar é por que, em vez de definir diretrizes mais objetivas e realistas, optaram por
um palavrório tolo e sem sentido, e por medidas inócuas, que só poderão aprofundar a crise do mais problemático dos três
níveis de ensino.