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30/06/2010 / Em: Clipping

 

PROGRAMAS INCLUSIVOS (Folha de S.Paulo – Fovest – 30/06/10)

A Fuvest também resolveu ampliar o número de beneficiados de um de seus programas de inclusão, o Pasusp. A partir deste ano, alunos do Centro Paula Souza podem fazer parte dessa avaliação, que aumenta a nota dos candidatos em até 3%, dependendo do desempenho obtido em uma prova extra, normalmente aplicada antes da primeira fase. O Pasusp é um dos três tipos de bonificação que a USP dá a alunos oriundos de escolas públicas. Os outros dois são um bônus de até 6% a partir do resultado do aluno na primeira fase da Fuvest e um de 3% para todos os participantes do programa de inclusão, o Inclusp. Já a Unicamp estuda oferecer 120 vagas em um processo seletivo paralelo ao vestibular para um curso superior interdisciplinar de dois anos. A ideia é beneficiar os melhores alunos das escolas públicas de Campinas.

 

Para cursinhos, desistência de USP e Unicamp não esvazia Enem (Folha de S.Paulo – Fovest – 30/06/10)

Mesmo com a desistência de USP e Unicamp de aproveitar o Enem para compor as notas dos seus vestibulares, cursinhos ouvidos pelo Fovest dizem acreditar que o exame não vai perder força, já que federais importantes passaram a adotá-lo. A recomendação é fazer o exame, mesmo que o aluno preste provas que, a princípio, não utilizam a nota. “É um bom treino para qualquer vestibular, pois o aluno pode analisar as matérias nas quais foi bem ou não. E, depois, essa nota pode acabar sendo usada pela Unicamp ou pela USP no vestibular do ano que vem”, diz Célio Tasinafo, coordenador da Oficina do Estudante. Em São Paulo, a adesão da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) ao Enem como única forma de ingresso -pelo Sisu- confere mais força ao exame no Estado. No ano passado, as universidades públicas paulistas que utilizaram o Enem como única forma de ingresso foram a UFABC (federal do ABC) e a Unifesp (em parte de seus cursos). USP e Unicamp, que usariam a nota para compor o resultado da primeira fase, desistiram depois do adiamento da prova e farão o mesmo neste ano.

Já a Unifesp decidiu que, para o processo seletivo deste ano, segue com sua forma híbrida de seleção, escolhendo seus calouros com vestibular próprio para cursos como medicina e enfermagem e usando o Enem em graduações menos tradicionais. Fora de SP, uma adesão de peso é a da UFMG, que substituirá a 1ª fase pelo Enem.


O Estatuto, o racismo e a luta das mulheres  (Revista Caros Amigos – Edição de junho de 2010)

O Estatuto da Igualdade Racial, depois de muito lavado e enxaguado, ficou esgarçado, desbotado, desfigurado e só agora foi aprovado pelo Congresso Nacional, apesar da manifestação contrária de boa parte do movimento negro e de organizações anti-racistas. Existe racismo no Brasil. Só nesse contexto, é possível entender como um Estatuto com esse nome, após ter tramitado por mais de uma década na Câmara e no Senado (apresentado pela primeira vez em 1995), pôde ser completamente esvaziado, destituído de todo o seu potencial transformador e, ainda assim, ser aprovado. Nessa longa caminhada, foram inúmeras as perdas. Nos primeiros anos, o grande problema parecia ser a criação de um fundo público destinado à promoção da igualdade e enfrentamento do racismo, que sustentaria as medidas previstas no Estatuto. Naquela época, a oposição à igualdade racial era velada, em geral se escondia atrás desse argumento, ponderando que o financiamento das ações não precisava de um fundo específico, de recursos carimbados exclusivamente para esse fim, que o orçamento público, com diretrizes bem definidas, já seria suficiente.

Depois que o debate sobre o financiamento das políticas de promoção da igualdade e enfrentamento do racismo foi vencido, outra onda começou a se armar na tentativa de fazer naufragar o debate público sobre a existência do racismo no Brasil e evitar quaisquer medidas que atentassem contra os privilégios conferidos aos brancos. A proposta de quotas raciais nas universidades, que àquela altura dos acontecimentos já havia promovido um grau inédito de inclusão social e racial no ensino superior foi satanizada. A mídia de massa entrou com tudo nessa discussão. Toda sorte de argumentos absurdos, contradizendo as evidências, os dados e as experiências recentes, foram veiculados: “o estatuto vai racializar a sociedade brasileira”, como se a idéia de raça, da superioridade branca e inferioridade negra não tivesse fundado o Brasil desde a colônia; “não existe racismo no Brasil”, como se quem vive o racismo na pele, na verdade estivesse sofrendo delírios; “as quotas vão racializar a sociedade brasileira e gerar confrontos que hoje não existem”, como se o assassinato de jovens negros pela polícia nesse país fosse uma peça de ficção.  Anualmente, o número de crianças negras que morrem no Brasil é praticamente o dobro das brancas. A morte materna, evitável em 92% dos casos, atinge aproximadamente 6 vezes mais as mulheres negras do que as brancas. Contudo, o Estatuto, encaminhado à sanção do Presidente Lula, exclui diversos outros dispositivos: o que estabelecia a política nacional de saúde da população negra, que fazia referência à redução da mortalidade infantil e materna, e das mortes violentas; foram eliminadas referências à escravidão, reparação e compensação, bem como extirpadas do texto as palavras raça, racial e raciais; e, conseqüentemente, todas as ações afirmativas foram eliminadas. Descartada por absurda a hipótese do azar, só nos resta uma para explicar tanta desigualdade entre negr@s e branc@s: existe racismo no Brasil, entranhado na sociedade e consolidado no poder. E o racismo se manifestou através do relator do Estatuto, Demóstenes Torres (DEM/GO), que por sinal é responsável por outros desserviços jurídicos e manifestações direitistas. É dele a responsabilidade pelo enfraquecimento punitivo e político do “Ficha Limpa” (LCP 135/2010), por isso aprovado por unanimidade no Senado Federal. Ele também é autor do machismo jurídico criado pela reforma dos crimes sexuais (Lei 12.042/2009), que atenuou a pena para estuprador. A reforma do Código de Processo Penal, por ele relatada, está pondo em risco a Lei Maria da Penha a ponto de, se aprovada, tornar quase inócua uma das leis mais importantes para as mulheres. Porém, ele sozinho não é o “remédio heróico” para manter os privilégios raciais dos brancos. Os créditos dos desmandos reacionários devem ser divididos (ou negociados) com o governo Lula e parlamentares da dita esquerda que, quando fizeram muito, ficaram calad@s nas discussões. Às vésperas do Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha (25 de julho), como feministas que somos, queremos cumprimentar as mulheres negras brasileiras pela coragem e ousadia, pela disposição para os embates e diálogos democráticos, sem os quais, seria impossível enegrecer o feminismo (como disse Sueli Carneiro), fazer germinar, ver crescer e frutificar um movimento de mulheres anti-racista. Movimento este que tem o potencial de ampliar o debate público contra o racismo, inclusive para enfrentar a irrelevância das instituições do sistema político frente ao grande desafio democrático que é a igualdade racial e para as mulheres.

* Guacira Cesar de Oliveira é socióloga, diretora colegiada do CFEMEA e integrante da coordenação executiva nacional da AMB.

 

Tramitação da ‘reforma universitária’: por que o sigilo?  (Revista Caros Amigos – Edição de junho de 2010)

Por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue

O que se convencionou chamar de “reforma universitária” é um conjunto de 14 Projetos de Lei (PLs), em tramitação no Congresso Nacional, que poderá ter importantes conseqüências para a educação brasileira. Depois de vários anos de resguardo, a “reforma” foi ressuscitada em março do ano passado por meio da reativação de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Sob a presidência de Lelo Coimbra (PMDB), teve nomeado como Relator o deputado, por São Paulo, Jorginho Maluly (DEM), pouco conhecido nos meios educacionais. Após várias “Audiências Públicas”, pouco divulgadas, para as quais foram majoritariamente convidados representantes do setor mercantil da educação superior, a apresentação do relatório, que havia sido prometida para finais de 2009, foi suspensa. É possível que essa suspensão tenha sido provocada por manifestações de parcela da comunidade acadêmica (“Uma ‘reforma universitária’ sem doutor e sem pesquisa?”, SBPC, Jornal da Ciência, 14 de agosto de 2009) e dos sindicatos da área (“Reforma universitária: quais os interesses envolvidos” – Andes-SN)[1] Com grande surpresa, já que nos meios usuais de comunicação da Câmara nada constava, verificou-se, no começo de junho, que, depois de mais de seis meses de interstício, havia sido chamada reunião da Comissão Especial, já para leitura e deliberação sobre um suposto Relatório Final, de que ninguém havia tido notícia. Mais surpreendente foi o cancelamento dessa reunião, transferida para o dia seguinte, 9 de junho, quando ocorreu novo cancelamento, com a curiosa justificativa de que o Relatório não pode ser completado, por dificuldades com “ajustes orçamentários”. Contudo, informações de assessores parlamentares alertam para a possibilidade de que, no meio da Copa, seja, convocada de véspera, como se tornou usual, nova reunião da Comissão Especial, com os mesmos objetivos, o que permitiria a votação em plenário (ou por acordo de líderes) ainda neste semestre. Urge, pois, relembrar (veja, por exemplo, “Reforma universitária: é isso mesmo?”, Jornal USP, ano XXII, n. 783 – novembro de 2006[2]  Em comparações internacionais, a educação superior brasileira já se destaca por algumas características negativas, em especial, sua alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino. A oferta de educação superior por empreendimentos mercantis traz consigo uma série de conseqüências negativas para o país, que lhes são intrínsecas: a procura por lucro faz com que apenas sejam oferecidos cursos em áreas de conhecimento e regiões geográficas onde se encontra a clientela e não naquelas onde seriam mais necessários para a promoção do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social do país. Ao procurarem cortar seus “custos”, tais empresas ainda desqualificam o trabalho de seus docentes e não oferecem a seus estudantes formação integral, atendo-se a alguma espécie de treinamento, altamente inadequada a longo prazo, em um mundo em acelerada modificação, e de eficiência questionável mesmo no curto prazo. Nesse contexto desfavorável, os projetos em tramitação e as 368 emendas com que o PL do governo foi agraciado caminham, como característica geral, no sentido de piorar a legislação atual do ponto de vista das necessidades e possibilidades nacionais. Mesmo o PL 7.200, depositado pelo poder executivo na Câmara dos Deputados, sob uma análise mais detalhada, apresenta uma quantidade considerável de problemas, como já denunciado à época (veja, por exemplo, o documento, de 2006, do Andes–SN “Análise do Projeto de Lei 7.200/2006: A Educação Superior em Perigo!”[3] Uma análise exaustiva do conteúdo dos PLs e das emendas seria impossível em um texto curto. Contudo, alguns exemplos podem servir para ilustrar a gravidade da situação. Segundo a LDB em vigor, para que uma instituição possa ser considerada universidade, é necessário que ela tenha “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado”, uma redação que afronta a inteligência de qualquer leitor: ela exigiria o mesmo se a redação fosse interrompida na palavra mestrado. Em sua versão original, PL 7.200, do governo federal, exige um mínimo de 25% de doutores no quadro docente de universidades e 11% em centros universitários, percentuais abaixo do que seria possível, considerando a realidade. Mas essa modesta exigência poderá ser derrubada pela força da bancada privatista no Congresso, como demonstram os dois PLs citados, que continuam a não exigir doutores em universidades, e as emendas que a eliminam do PL governamental. Portanto, uma das conseqüências da “reforma” é manter e agravar a situação atual. Em 1996, ano de aprovação da LDB, o Brasil já tinha um número de doutores suficiente para que as exigências fossem mais rigorosas. Atualmente, quando o país tem mais do que 100 mil doutores, crescendo a uma taxa aproximada de 10 mil por ano, é inconcebível uma instituição de ensino superior sem doutor em seu corpo docente, ainda mais se for uma universidade. Além disso, ao persistir a situação – internacionalmente inaceitável – de não haver exigência por doutores nos corpos docentes de instituições de educação superior, a manutenção da taxa de crescimento de pessoas tituladas e o próprio sistema nacional de pós‑graduação, e a pesquisa daí resultante, quase certamente estarão comprometidos. O PL 4.221, o mais abrangente e perigoso, apresentado em 2004 em segundo lugar, de forma ardilosa, pretende abarcar toda educação superior com sua uma centena de artigos, parte deles enfocando até mesmo a composição e as atribuições do Conselho Nacional de Educação. Entre outras arbitrariedades, arvora-se a apresentar uma redefinição do que deva ser entendido pela exigência constitucional da realização de pesquisa. Segundo o texto desse PL, a exigência mínima para que uma instituição possa ser considerada uma universidade seria de que apenas 3% do total dos docentes(!), não necessariamente doutores(!), se dedicassem a esta tarefa, reunidos em pelo menos dois grupos de pesquisa(!), reconhecidos como tal pela própria instituição(!). Ademais, a simples existência de pós-graduação poderia se constituir em alternativa à exigência anterior, mesmo que restrita a apenas um único “curso ou programa”, em nível de mestrado. A articulação dos interesses mercantis é cabalmente evidenciada pelas emendas ao PL 7.200: para eliminar alguma possível restrição ao setor privado, uma emenda propõe a eliminação de um determinado artigo; caso esta não seja aprovada, há sempre outra que altera sua redação; caso ainda haja insucesso, outra emenda procura eliminar ou alterar alguns parágrafos do artigo. Em relação às condições do trabalho docente, há propostas de reduzir, ainda mais, o percentual de docentes contratados por 40 horas e em dedicação integral a uma instituição, aumentando-se a participação dos, assim chamados, professores horistas ou de contratados em tempo parcial. Enfim, se uma pequena parte dessas propostas, que tratam a educação superior como apenas mais um ramo do setor comercial, tiverem êxito no substitutivo a ser apresentado pelo relator, Jorginho Maluly, nossos doutores continuarão desempregados ou sub-empregados, nossos cursos continuarão fracos e as necessidades nacionais continuarão sem solução. Há, ainda, outras pérolas no PL 4.221/04: o Art. 32 fixa durações mínima e máxima dos cursos de graduação: assim, a licenciatura teria mínimo de 2.400 horas e máximo de 3.200 horas; engenharias teriam mínimo de 2.800 horas e máximo de 3.600 horas; ciências biológicas e da saúde teriam entre 2.800 e 3.800 horas, exceto medicina, cujo mínimo seria de 6.000 horas e o máximo de 8.000 horas. O que se pretende com esses máximos? Limitar a qualidade de cursos oferecidos por instituições públicas? Forçar o setor público a ser mais parecido com o setor privado? Ainda mais: o Art. 48 determina, curiosamente, que cada dia letivo deva ter a duração máxima de 6 horas. O que se quer com isso? Facilitar ainda mais os cursos de fim de semana, que, se vierem a ter mais do que 6 horas de atividade em um único dia, esse será contado como dois? Por fim, o PL 4.221 pretende alterar o conteúdo do Art. 209 da Constituição Federal, o qual exige do setor privado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Essa alteração aparece no Art. 67 daquele PL: “Para os efeitos do Art. 209 da Constituição, esta lei engloba as normas gerais da educação nacional para a autorização e avaliação de qualidade de cursos e instituições mantidas pela iniciativa privada”, seguido de um parágrafo único que veda ao Poder Executivo o estabelecimento de requisitos ou regulamentos que ampliem ou reduzam as normas estabelecidas nesta lei. É possível supor que, tendo em vista a necessidade de composições para enfrentar a eleição, o governo esteja “fechando os olhos” e abrindo caminho para a aprovação de um projeto substitutivo ao gosto do setor mercantil, formado pelo 7.200, com suas emendas, e pelo 4.221. Frente a essa situação e considerando o perfil privatista do Congresso brasileiro, é necessária uma forte ação para reduzir os estragos que a “reforma universitária” poderá causar ao país. A atuação decisiva dos colegiados das instituições de ensino superior, sérias e comprometidas com o desenvolvimento nacional, das associações profissionais e acadêmicas, das entidades representativas de docentes e estudantes, entre diversos outros setores da sociedade civil, se faz necessária e poderá contribuir para evitar o perigoso retrocesso que se desenha para a nação.