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06/08/2010 / Em: Clipping

 


Unicamp 2011: Lista com isentos será divulgada no dia 18  (Folha Dirigida – Vestibular – 05/08/10)

A lista com os nomes dos candidatos contemplados com a isenção da taxa de inscrição do vestibular 2011 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) será divulgada no dia 18 de agosto. A relação poderá ser conferida na página eletrônica da Comvest. São três os tipos de isenções possíveis: para candidatos de família com renda líquida de até R$550 por morador do domicílio (6.640 isenções); para funcionários da Unicamp e da Funcamp (100); e para aqueles que se candidatarem aos cursos de Licenciatura em período noturno. É importante lembrar que os beneficiados não estão automaticamente inscritos no vestibular, sendo necessário realizar a inscrição específica, utilizando para isto o código de isento fornecido pela Comvest, organizadora do processo. No vestibular do ano passado foram recebidos 6.321 pedidos. Destes, 5.372 foram atendidos.

Vestibular

As inscrições para a seleção serão recebidas de 23 de agosto, data em que o edital também será divulgado, até 8 de outubro. O cadastramento deverá ser feito no site da Comvest, pagando a taxa de inscrição por meio de boleto, em qualquer agência bancária. O valor da taxa será definido em breve pela organizadora. O número de vagas também será definido até a abertura do período de inscrições. A prova da primeira fase será realizada no dia 21 de novembro e a segunda fase nos dias 16 e 18 de janeiro. Em comunicado oficial, a Comvest informou que não irá utilizar a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para compor a nota do vestibular, devido a incompatibilidade de datas. A justificativa para esta decisão, conforme a nota é: “como os resultados da primeira fase do vestibular serão divulgados no dia 20 de dezembro, a utilização das notas do Enem se torna inviável, uma vez que o Inep informou que divulgará os resultados em janeiro de 2011”.

Retrato em branco e preto  (Revista UnespCiência – Política – Agosto de 2010)

Pablo Nogueira

No espaço de um novo século, os mestiços terão desaparecido do Brasil.  Este fato coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós.”  Assim pregou João Baptista Lacerda à seleta plateia de sábios que haviam se reunido em Londres para participar do 1º Congresso Internacional das Raças, em julho de 1911. Lacerda era então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e firme defensor da idéia de que a mestiçagem entre diferentes grupos étnicos que havia se verificado no país era um “problema racial”. Sua palestra,porém, buscava convencer a audiência de que a questão se resolveria por si mesma, uma vez que a progressão da mestiçagem só poderia resultar no embranqueci mento do povo. É no mínimo uma ironia histórica que, decorrido quase um século desde a palestra de Baptista, o debate racial esteja mais vivo do que nunca no Brasil. Em meados de julho, o presidente Lula sancionou, após uma década de debates, o polêmico Estatuto da Igualdade Racial, embora em uma versão despida dos principais pontos de reivindicação do movimento negro. Por outro lado, o STF (Supremo Tribunal Federal) deverá se manifestar ainda neste ano sobre três questões em torno das chamadas ações afirmativas – políticas públicas planejadas para atender grupos em situação de desvantagem social devido a fatores históricos,culturais e econômicos. Essas iniciativas também estão sendo escrutinadas na academia, que avalia sua eficácia como ferramenta para a gestação de um país menos desigual. Na Justiça, a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3.239 contesta os critérios em vigor para a demarcação de terras de comunidades quilombolas. Se acolhida, pode levar à revisão dos títulos de terra já emitidos para 106 comunidades e afetar os cerca de mil pedidos semelhantes que estão em tramitação no INCRA . Já a Adin 3.330 mira o Programa Universidade para Todos, o ProUni. Criado pelo governo em2004, com o intuito de ofertar bolsas de estudo a estudantes oriundos das escolas públicas, destina obrigatoriamente parte das bolsas a jovens pretos, pardos e indígenas. A ação contesta o uso de critérios socioeconômicos e raciais para selecionar os beneficiários de uma política pública, e pode levar à extinção do programa. Uma terceira ação questiona o modelo de cotas raciais (termo consagrado pelo uso, apesar de inadequado cientificamente) que está em vigor desde 2004 na UnB, e ameaça jogar para a ilegalidade iniciativas semelhantes dos trabalhadores do Estado do Paraná, e sua aprovação permitiu aos deputados projetarem na mídia a imagem de comprometidos com a igualdade racial.Ainda assim, a socióloga acredita que foi  importante politicamente a adoção da medida. “O Paraná construiu para si a imagem de uma sociedade formada por imigrantes de diversos povos europeus, para a qual a escravidão e os negros teriam contribuído muito pouco. Mas nos últimos cinco anos já foram mapeadas mais de 80 comunidades quilombolas no Estado, mostrando que isso não é verdade  .Essa lei torna-se um marco porque mostra o reconhecimento, por parte do governo, de que a população negra sofre desvantagens”, diz. Analisando os números de 15 concursos públicos realizados pela Secretaria de semelhantes adotadas em mais de 70 instituições de ensino superior do país. Paralelamente à batalha judicial, os efeitos de algumas dessas iniciativas estão sendo avaliados nas universidades. A socióloga Marcilene de Souza, por exemplo, em seu doutorado na Unesp de Araraquara, concluído neste ano, analisou o impacto causado pela lei estadual 14.274, do Paraná, que desde 2003 estabelece que 10% das vagas oferecidas nos concursos realizados pelo Legislativo, Executivo, Ministério Público e empresas de economia mista do Estado devem ser destinadas a afro descendentes. A pesquisa revelou que o processo de elaboração da lei foi feito sem a participação ou o conhecimento do movimento negro. Nem mesmo os deputados que aprovaram a lei, em tempo recorde e por unanimidade, conheciam as reivindicações dos negros do Paraná. Em parte, a viabilidade política foi assegurada pelo tamanho da reserva, bem inferior à proporção de pretos e pardos que compõe a população do Estado, estimada em 28,5%. “Um dos deputados me disse que os próprios políticos estimavam que 10% das vagas do serviço público já estariam sendo ocupadas por negros. Se fosse um percentual maior, de15% ou 20%, talvez a lei não tivesse sido aprovada. O valor de 10% não implicaria em nenhuma mudança drástica”,  diz . Na verdade, um levantamento concluído em 2010 mostra que pretos e pardos ocupam 13,69% dos postos de trabalho na burocracia estadual. Este quadro, segundo sugere a pesquisa de Marcilene, já existia antes que o regime de cotas fosse adotado. Em suma, na prática, a nova lei não alterou a composição racial Administração Pública do Estado entre2004 e 2007, ela descobriu que os cotistas representam 6% dos candidatos selecionados e nomeados – valor inferior ao determinado pela legislação. Isso, porém, não significa necessariamente que a lei esteja sendo desobedecida. Em muitos concursos o número de vagas oferecidas é inferior a 10, o que impossibilita a oferta de postos para cotistas. Concursos cujas vagas são distribuídas entre diversas regiões do Estado também dificultam o estabelecimento de cotas. Outra possibilidade é que o número de inscritos seja inferior ao de vagas oferecidas, ou que, embora inscritos, muitos candidatos não sejam aprovados no processo seletivo. Para Marcilene, os problemas vão além do processo de admissão e passam pela falta de um treinamento para que os gestores de RH do serviço público do Estado entendam o valor da criação das cotas e saibam lidar com elas. Ela cita como exemplo o caso de uma mulher que se candidatou sucessivamente a dois concursos pleiteando a condição de cotista. Como parte da seleção, nas duas vezes apresentou-se perante uma banca que avaliava a pertinência de sua reivindicação como afro descendente. Na primeira, ela foi considerada apta para a cota. Na outra, não. Alguns concursos têm convidado membros do movimento negro para compor a banca, mas isso não é regra, como foi o caso da candidata, que atribuiu sua exclusão justamente à ausência de militantes negros. “A falta de um conhecimento maior sobre as relações raciais no Brasil pode levar a esse tipo de problema, mas episódios assim têm sido raros”, avalia a pesquisadora. Ao entrevistar indivíduos aprovados em concursos, ela ouviu queixas de isolamento no ambiente de trabalho, reclamações sobre a dificuldade de alguns funcionário sem serem chefiados por um negro e até um relato de bullying (agressividade verbal, boicote por parte dos colegas). Por outro lado, os gestores de RH pesquisados declararam jamais ter ouvido queixas de discriminação. E chegaram a elogiar o desempenho dos cotistas, especialmente durante os dois primeiros anos nas funções,quando estão em estágio probatório.Ela acredita que os candidatos não se queixam ao RH, pois se sentem inseguros com o período de experiência, e transformam isso em desempenho para provar seu valor. “Eles se sentem constrangidos também por seu pequeno número. Um entrevistado trabalhava numa empresa de economia mista com 2 mil funcionários onde só havia dez negros.”Tais relatos apontam para a ausência de um sistema de gestão eficiente. “Uma ação afirmativa não pode se resumir a ser apenas uma política de cotas. Se o governo deseja refletir no serviço público a diversidade do Estado, deve aperfeiçoar o programa através de um acompanhamento que permita identificar os problemas, propor correções e estabelecer metas”, defende. O governo do Paraná, porém, nem sequer procura divulgar a existência da Lei 14.274,  o que faz com que muitos só descubram a possibilidade de candidatar-se às cotas quando lêem o edital do concurso. Em vez de atrair mais candidatos, o sistema termina servindo apenas aos indivíduos que já iriam se candidatar. Com todos os seus problemas, porém,a lei já beneficiou milhares de pessoas.Somente a Secretaria de Administração Pública do Estado contratou 1.709 negros em três anos. No mesmo período, uma grande empresa de economia mista elevou o número de funcionários negros em seu quadro de 567 para 1.077, um crescimento de quase 100%. Alguns cotistas conquistaram postos em funções de mais poder e prestígio, tais como médico, delegado ou gerente, ainda que em número muito reduzido.

Racismo à brasileira
O congolês Bas’ilele Malomalo, que também defendeu seu doutorado em Sociologia na Unesp de Araraquara neste ano analisando os efeitos de programas de ação afirmativa, acredita que existe um “racismo à brasileira” que cria desigualdades no acesso à educação, ao mercado de trabalho e aos mais diversos campos.“Isso leva ao que chamo de subdesenvolvimento da população negra”, diz. Daí seu interesse em avaliar de que forma esses programas contribuem para o desenvolvimento das condições de vida dos pretos e pardos. Um dos programas analisados foi o de Capacitação de Afro descendentes do Banco Itaú. Desde meados dos anos 1990, o movimento negro manifestava à FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) sua insatisfação quanto ao baixo número de negros empregados no setor. Em 2003, o Ministério Público em Brasília encampou a causa e entrou com ações contra cinco bancos do DF, exigindo que eles criassem políticas que reduzissem as diferenças de contratação, de promoção e salariais entre negros e brancos. Um acordo entre as partes levou à retirada das ações, mediante o compromisso de desenvolvimento de tais programas.Criado em 2005, o programa do Itaú oferece oportunidade de estágio a jovens negros indicados por duas instituições de ensino, a Educafro  (ONG que coordena uma rede de cursinhos pré-vestibulares comunitários) e a universidade Zumbi dos Palmares. Cerca de 100 estudantes entre o segundo e o último ano da graduação são selecionados como estagiários por um período de um a três anos, durante o qual também assistem, com professores da Unicamp, a aulas sobre administração. Em 2008, 80% dos estudantes que concluíram o programa foram contratados pelo banco. A iniciativa é parte de algo maior, o Projeto de Diversidade Corporativa, que inclui ações semelhantes voltadas para deficientes, adolescentes, jovens e mulheres, num total de mais de 3.500 pessoas atendidas. Essa busca da diversidade se insere nos interesses da instituição. “Os bancos não fazem isso por caridade. A diversidade é para eles um elemento de marketing”,analisa Bas’ilele. “As ações de inclusão têm um impacto em nosso imaginário. Ao ver em que há negros trabalhando naquele lugar, clientes negros podem se identificar com a empresa”, diz. Mas o impacto mais relevante aconteceu dentro da própria instituição. Se em 2003 o Itaú contratou menos de duas centenas de negros, correspondentes a 5% dos funcionários admitidos, em 2006 eles já eram 28% dos novos funcionários (veja quadro abaixo).Somente os egressos do programa de Capacitação de Afro descendentes não explicam esse aumento, pois poucas centenas de estudantes passaram por lá. Bas’ilele acredita que, embora a demanda por inclusão tenha surgido a partir da pressão do movimento negro, verificou-se uma mudança na percepção do banco. “Quando o tema da inclusão entra na agenda de uma instituição, ele não fica restrito a um programa. Todos os setores começam a debater e analisar. O banco se posicionou e criou um projeto para negros, mas também buscou incluir outros grupos, como mulheres e deficientes.” Em 2007, 30%das contratações vieram de participantes do Projeto de Diversidade Corporativa.

Impacto das cotas
Bas’ilele também investigou o uso de cotas raciais para o acesso ao ensino superior, que vêm sendo adotadas no país desde o começo dos anos 2000. Este debate se intensificou a partir do final dos anos 1990, por pressão do movimento negro, e, em 2001, um projeto de lei proposto pelo então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, estabeleceu pela primeira vez esse tipo de reserva – 20% de vagas na Uerj seriam para estudantes oriundos da escola pública e 20% para pretos e pardos.Em 2003, o governo Lula criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e passou a ser pressionado pelo movimento negro para instituir, por decreto, a criação de cotas raciais nas universidades públicas. A proposta, porém, despertou forte resistência, tanto dentro quanto fora do governo, que decidiu outorgar a decisão para os conselhos universitários de cada instituição. Por fim, em 2004, o então ministro da Educação, Tarso Genro, anunciou a criação do ProUni, que forneceria bolsas de estudo em universidades particulares a alunos oriundos de famílias de baixa renda, que tenham estudado em escola pública. Parte das bolsas ficou reservada a indígenas, pretos e pardos, em proporção direta à demografia racial de cada estado. “A instituição das cotas raciais no ProUni ocorreu devido a uma demanda do movimento negro dentro da Seppir”, conta o pesquisador. “Ao verem que o assunto para as universidades públicas estava muito controverso, eles mudaram de estratégia e buscaram influenciar o projeto que estava sendo preparado no MEC.” Para Bas’ilele, em vez de um passo atrás, a mudança de estratégia possibilitou um grande sucesso. “Do ponto de vista qualitativo, é o programa de maior impacto. E a combinação de critérios sociais e raciais é uma solução totalmente brasileira, que responde aos críticos que dizem que a criação de cotas é a importação de um modelo que em nada tem a ver com a realidade brasileira”, diz. Segundo dados do ProUni, até 2009,276.715 estudantes pretos e pardos foram beneficiados pelo programa. “O desafio agora será encaminhá-los ao mercado de trabalho, já que as universidades particulares são consideradas menos qualificadas. Talvez seja o caso de favorecer as políticas afirmativas nas empresas”, defende. Para analisar os efeitos causados pelos programas de cotas em instituições públicas ,Bas’ilele recupera os argumentos apresentados no início dos debates, há cerca de uma década. Na época os críticos afirmavam que o baixo nível dos alunos admitidos pelas cotas iria prejudicar a qualidade dos cursos, aumentarem as tensões raciais na academia e resultar num alto nível de evasão. Apesar dos prognósticos negativos, desde 2002, quando se iniciaram as primeiras experiências, 74 instituições públicas de ensino superior adotaram cotas sociais, raciais ou outros mecanismos de ação afirmativa, segundo o Fórum Interinstitucional em Defesa das Ações Afirmativas. Foram criadas 51.875 mil vagas para jovens negros, de acordo com avaliação do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgada no ano passado. Algumas destas universidades já realizaram avaliações de seus programas, e os resultados têm se mostrado favoráveis em diversos aspectos. Levantamento da Universidade Federald e Santa Catarina mostrou que no primeiro semestre em que os cotistas negros eram aula (em 2008), seu percentual de repetência foi de 27,7%, contra18,8% da média geral. No entanto, o índice de evasão deles (4,2%) foi menor que o dos cotistas vindos do ensino público (5,5 %) e que a média da universidade (9%). Os dados sugerem que, embora sinta a princípio uma diferença em relação aos colegas em termos de preparação, os cotistas estão motivados a aproveitar a oportunidade que receberam. É o que aponta também um levantamento feito pela Unicamp em 2009, que analisou o desempenho dos primeiros 16 alunos cotistas negros admitidos no curso de medicina, em 2005. Embora no início do curso as notas deles estivessem entre as mais baixas, no oitavo semestre eles haviam se equiparado plenamente com o restante da turma. A avaliação conclui que “a maior parte dos candidatos, que não seria admitida sem o programa, encontra-se classificada na primeira metade da turma após quatro anos na universidade”. Estudo feito em 2006 com docentes da Uerj e da UnB para avaliar as atitudes deles em relação às cotas mostrou que 66% dos professores que já haviam dado aula para cotistas apoiavam as ações afirmativas, e 74% avaliaram o desempenho desses estudantes como bom ou muito bom. Dados nessa linha apareceram também em avaliação feita na UFBA em 2005, que mostrou que em 11 de 18 cursos a nota média dos cotistas tinha sido superior à dos não cotistas. “A evasão, o baixo desempenho escolar, o acirramento das tensões raciais, todas essas previsões foram desmentidas. São mitos que caem”, diz  Bas’ilele.As avaliações positivas, porém, talvez não estejam capturando todos os problemas. No começo deste ano, as eleições para o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFRGS foram ganhas por uma chapa com uma plataforma de oposição às cotas oferecidas pela universidade. Coincidência ou não, na mesma universidade, um estudante que perdeu a vaga para um cotista no curso de administração entrou com uma ação na Justiça, e seu advogado já apresentou o caso ao STF este ano.

Preferência racial?
“Olhar para os que foram incluídos nas universidades e dizer que esses programas não geram conflitos é uma piada de mau gosto”, diz o sociólogo Demétrio Magnoli, referência na oposição a essas iniciativas, que prefere chamar de  “políticas de preferência racial”.  “Milhares de jovens foram excluídos por causa das cotas. Volta e meia sou contatado por esses indivíduos que pedem meu apoio. Alguns inclusive fazendo comentários racistas que tenho que repudiar”, conta. Ele afirma acreditar que tais práticas podem levar a uma situação mais crítica, ao lembrar que experiências de construção de políticas raciais em países como a Índia e Ruanda terminaram gerando violência e massacres. “A experiência internacional mostra que essas políticas precisam ser conduzidas por décadas até gerarem conflitos mais violentos. Mas a tendência no Brasil é de expansão, pois já se fala em cotas para o mercado de trabalho, para partidos políticos…” Para Magnoli, o que está em discussão é um debate sobre a identidade brasileira, que estaria se distanciando da tradicional idéia de um país mestiço, formado pela combinação de negros, índios e europeus.Agora, diz, a diferença entre as raças, e não mais a fusão entre elas, é que estaria ganhando destaque. Avaliação semelhante é feita pela antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, que por três anos coordenou o projeto Observa,destinado a avaliar os impactos das cotas sociais adotadas nas universidades públicas. Junto com Magnoli e mais de uma centena de intelectuais, ela assinou, na última década, dois manifestos contra as ações afirmativas de caráter racial, que foram enviados para o Congresso Nacional e o STF. Essa militância atraiu a atenção de parte do DEM, partido que está por trás das três ações agora tramitando no STF.  Atualmente, ela coordena pesquisas que avaliam a implantação da Lei 10.639 nas escolas públicas do RJ. “Essa lei está sendo usada não para ensinar a História da África, mas sim o “orgulho negro”. Ela estimula as crianças a celebrarem o Dia da Consciência Negra, mas não se fala no dia da Abolição. Será que na próxima geração as crianças saberão quem foi Joaquim Nabuco [um dos principais abolicionistas do Brasil]?”, questiona. Ela conta que, em vários municípios, as Secretarias de Educação não implementaram em suas escolas as aulas de cultura e história africana por não concordarem com o enfoque racial. “Estão querendo contar a História do Brasil a partir da divisão entre brancos e negros. ” Ela também vê como problemáticas as bancas formadas para verificar se os candidatos às cotas são mesmo negros.“A decisão de se declarar judeu, índio, negro etc. é de foro íntimo. É um princípio internacional, que ajuda a impedir, por exemplo, o que aconteceu na Alemanha nazista e em Kosovo.  Quando se atribui ao Estado o poder de dizer quem você é,ele está impondo uma identidade e usando esse poder para separar a população. Estão querendo dividir o Brasil em etnias.”Nesse sentido, ela questiona a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. “O governo está introduzindo leis raciais. É uma mudança na concepção do que é ser brasileiro e vai trazer conseqüências.  Essas políticas vão contra a nossa identidade nacional. É uma pena e uma tragédia que o Brasil esteja debatendo o racismo a partir da entronização do conceito de raça, e não da negação dessa idéia. ” Yvonne faz questão de ressaltar que considera a sociedade brasileira racista. “Mas a partir do momento em que você cria leis raciais, e afirma que as raças existem, não é mais possível combater o racismo”, acredita. Para o sociólogo Dagoberto Fonseca, da Unesp de Araraquara e orientador de Marcilene e Bas’ilele, o principal impacto das ações afirmativas é no imaginário social. “O ganho não foi apenas para negros ou indígenas. Hoje se debate também o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao longo da última década ficou clara a necessidade de formar políticas públicas para que esses grupos possam ser incluídos na sociedade brasileira.”Ele defende que o debate sobre as ações afirmativas não está gerando novos conflitos,mas revelando alguns bem antigos. “É claro que aquele que entrou por cotas será visto por alguns como beneficiado, mas isso se resolve com o tempo. O fato é que vivemos numa sociedade capitalista, estamos competindo. A concorrência já existe, as cotas são apenas mais um elemento.”O problema, diz, é que o debate envolve tabus da sociedade brasileira.“Não vivemos num país harmônico do ponto de vista racial nem do social. Nossa sociedade é conflitava,  mas não podemos considerar o conflito como algo ruim. Senão, teríamos que enviar os negros de volta para a senzala, e os índios de volta para as aldeias, para que ficasse cada um no seu lugar. Esse conflito significa que estamos mudando a sociedade brasileira.
“E que bom que isso está acontecendo.” 



A grande disputa por cérebros  (O Estado de S.Paulo – Internacional – 06/08/10)

Por décadas, as universidades de pesquisa nos EUA foram as líderes mundiais no campo das ciências e da engenharia, imbatíveis desde a 2.ª Guerra pelo volume e excelência do conhecimento e inovação que criavam. Mas há sinais cada vez mais nítidos de que o restante do mundo vem conquistando terreno muito rápido, criando novas universidades, melhorando as existentes, competindo energicamente pelos melhores alunos e recrutando PHDs nos EUA, convencendo-os a retornar ao país para trabalhar em laboratórios das universidades e da indústria. A ordem hierárquica no campo acadêmico está em vias de se inverter? Quase 3 milhões de jovens estudam fora do seu país natal – um aumento de 57% na última década. Os estudantes estrangeiros predominam em muitos cursos de doutorado nos EUA, representando 64% dos PHDs em ciência da computação, por exemplo. As universidades de Pequim e Tsinghua juntas ultrapassaram Berkeley com o maior número de alunos em doutorado nos EUA. Metade dos melhores físicos do mundo não trabalham mais em seus países de origem. E grandes instituições, como as universidades de Nova York e de Nottingham, estão criando filiais no Oriente Médio e na Ásia. Existem hoje 162 câmpus satélites em todo o mundo, um aumento de 43% somente nos últimos três anos.  Ao mesmo tempo, um número crescente de países que tradicionalmente são os que mais enviam estudantes para fora, desde a Coreia do Sul até a Arábia Saudita, procuram melhorar a qualidade e a quantidade dos seus próprios cursos de graduação, travando uma feroz e dispendiosa disputa para recrutar estudantes e criar universidades de pesquisa de classe mundial.Durante sua campanha em 2008, o então candidato Barack Obama falou em tom alarmante sobre a ameaça dessa concorrência acadêmica para a competitividade dos EUA. “Se quisermos continuar construindo os carros do futuro aqui não podemos nos permitir ver o número de doutorados em engenharia aumentando na China, na Coreia do Sul e no Japão, ao mesmo tempo que se observa uma queda aqui nos EUA”, declarou Obama. Essa preocupação não se restringe apenas aos EUA. Em alguns países, o nervosismo envolvendo essa competição no campo educacional e a fuga de cérebros resultou num forte protecionismo acadêmico. Índia e China são conhecidos pelos obstáculos burocráticos e legais que colocam às universidades ocidentais que pretendem instituir câmpus satélites nesses países para atender estudantes locais. Muitas vezes, os alunos que querem deixar o país também enfrentam barreiras. Há alguns anos, o presidente de um prestigiado instituto de tecnologia na Índia proibiu seus formandos de aceitar estágios remunerados acadêmicos ou em empresas no exterior. Há ainda outros impedimentos à mobilidade global que não são declaradamente protecionistas, mas limitam o acesso às universidades em todo o mundo. Nos anos posteriores aos atentados de 11 de setembro de 2001, por exemplo, preocupações legítimas com a segurança causaram enormes adiamentos na concessão de vistos e transtornos de caráter burocrático para estrangeiros que aspiravam estudar nos EUA. O número depois aumentou, mas persistem limites severos para vistos de trabalho e residência, que deveriam servir como atração para os mais brilhantes estudarem nos EUA. Talvez parte da preocupação com esses novos empreendimentos acadêmicos no plano global seja compreensível, especialmente num período de grande incerteza econômica. Mas o protecionismo na área do ensino é um erro tão grande quanto o protecionismo comercial. A globalização do ensino superior deve ser estimulada, não temida – também nos EUA. Existem todas as razões para se acreditar que a disputa global pelo talento humano, a corrida para se produzir uma pesquisa inovadora, o movimento para estender os câmpus universitários a múltiplos países, e o ímpeto para preparar estudantes talentosos que poderão trazer mais vigor para economias com base no conhecimento, serão muito bons para os EUA também. Sobretudo, porque a expansão do conhecimento não é um jogo de soma zero. Um maior número de doutorados e o florescimento da pesquisa na China, por exemplo, não vão tirar o acervo de conhecimento dos EUA. Como o conhecimento é um bem público, os ganhos intelectuais de um país sempre beneficiam outros. A pesquisa chinesa poderá muito bem fornecer as bases para empreendedores americanos, ou de outros países, inovarem. Da mesma maneira que o livre comércio se traduz em produtos e serviços mais baratos, beneficiando produtores e consumidores, a competição acadêmica global terá como resultado uma livre movimentação de pessoas e ideias, com base no mérito, o que será muito positivo para os indivíduos, universidades e países. Hoje, a transmissão e a mobilidade do conhecimento, sempre constantes, constituem um novo tipo de livre comércio, o de mentes. A redução gradativa no número de estudantes no mercado americano, ou a emergência de novos concorrentes ambiciosos na Ásia, na Europa e no Oriente Médio, não significam que as universidades americanas estão em rota inevitável de declínio. Resistindo às barreiras protecionistas, internamente e no exterior, continuando a recrutar e acolher os melhores estudantes do mundo, enviando mais alunos para o estrangeiro, fomentando uma colaboração entre nações no campo da pesquisa e fortalecendo suas próprias universidades de pesquisa, os EUA conseguirão manter a excelência acadêmica já estabelecida e ao mesmo tempo expandir a soma da prosperidade e do conhecimento globais.

Necessária repaginação  (O Estado de S.Paulo – Espaço Aberto – 06/08/10)

O final de ano trouxe uma notícia ruim para a Amélia e o Luiz Cláudio H., para eles o Natal se aproximou em tons sombrios. É que a Mariana fora reprovada já na primeira fase do vestibular da Unicamp. Garota linda, inteligente e estudiosa, leitora voraz da alta literatura, verdadeira Rory Gilmore de Barão Geraldo, a Mariana era, aos olhos dos pais e dos amigos, uma aposta quase certa para a concorridíssima Faculdade de Medicina.Lúcidos,seus pais sabiam que ninguém, nem mesmo a Mariana, tinha lugar garantido naquela faculdade, em cujo vestibular costumam aglomerar-se cerca de cem candidatos para cada vaga oferecida. Mas a eliminação já na primeira fase teve esse caráter desconcertante. Afinal, não é a primeira fase aquela destinada à eliminação dos paraquedistas totais e dos insuficientemente preparados, aos quais se recomenda que estudem muito mais e voltem no ano seguinte? Com janeiro vieram os resultados da Faculdade de Medicina de Pinheiros, da USP  ,e, adivinhem… deu a lógica. A Mariana estava lá, na primeira lista de convocados para aquele outro ícone dos vestibulares nacionais. Barão Geraldo perdeu sua Rory Gilmore, mas a alegria retornou à família H. ainda a tempo de salvar o resto do verão. Vestibular é assim mesmo, nunca classifica com exatidão os candidatos. Seus resultados combinam lógica e loteria. Alguns, contudo, são piores do que outros e casos como o da  Mariana são muito mais comuns e generalizados do que se imagina,embora nem todos com final igualmente feliz. E quanto mais curta a prova, quanto menos abrangente a cobertura do programa oficial, maior a influência do fator sorte. Assim, a primeira fase eliminará muitos dos melhores candidatos, abrindo espaço para outros, provenientes dos quartis inferiores, com sérios prejuízos para a instituição, que se vê privada do acesso a alguns dos melhores estudantes,e cruel injustiça para com muitos dos candidatos mais bem preparados.De outro lado, o Enem – criado, há 12 anos, com objetivos ambíguo se, de qualquer forma,com propriedades estatísticas incompatíveis com quaisquer que fossem aqueles objetivos.Sua estrutura e a forma de aplicação impediam, e ainda impedem,a utilização de seus resultados seja para a construção de indicadores de qualidade do sistema nacional de ensino básico,seja como elemento de avaliação e classificação de escolas.Sua não aderência a um padrão estável através dos anos desautoriza a análise de tendências do sistema nacional de educação básica pela comparação de seus resultados e manos sucessivos.Tentativas nesse sentido levarão a conclusões equivocadas.É verdade que, no formato atual, ele avalia bem o indivíduo.A falta de uma associação consistente o programa oficial dos 12 anos do ensino básico, contudo, desqualifica essa avaliação. Diz seque os testes de QI medem a habilidade do indivíduo em realizar testes de QI; o frouxo atrelamento da prova do Enem ao programa oficial do ensino básico o faz vulnerável a insulto análogo. O fato é que o Enem carece de estrutura estatística e esquema amostral compatíveis com sua enorme importância potencial. Com um custo anual que supera em muito a marca dos R$ 100 milhões; concebido e operado por instituições competentes, movidas pelas mais sinceras boas intenções, e objetivando atuar,  como instrumento metrológico eficaz, sobre o universo do sistema nacional de ensino básico,tão carente de instrumental metrológico adequado, o Enem demanda urgente e substancial repaginação.Agora,numa comparação direta entre as provas do ano passado do Enem e da primeira fase da Unicamp, escancara-se a ampla superioridade da primeira como instrumento para ordenação de um grupo de candidatos por nível de conhecimento. Com questões elegantemente formuladas, nossa primeira fase é curta demais. Com apenas 12 questões mais a redação, ela se posiciona em flagrante desvantagem ante as 180 questões mais redação do Enem 2009. É agosto. Abre-se a temporada dos grandes vestibulares nacionais. A pré-seleção para a USP, Unicamp, UFRJ, UFMG,  UnB, UFPE, UFRGS, ITA,IME e demais grandes escolas nacionais poderia ser feita pelo Enem,com sólida economia e enormes ganhos de qualidade. O aluno inscrito em qualquer desses vestibulares estaria automaticamente inscrito no exame nacional. As notas de corte seriam determinadas, a posteriori, por cada faculdade, de acordo com o desempenho de seus candidatos se com a parcela destes a receber o salvo-conduto para a fase seguinte e decisiva. A necessária repaginação do Enem terá de envolver essas escolas. Com a pré-seleção unificada, em pouco tempo a capilaridade dos sistemas de recrutamento das universidades se estenderia sobre todo o País, com ganhos previsíveis para todos. A conquista de um grande exame nacional,ao mesmo tempo estágio de pré seleção dos vestibulares e instrumento eficaz– espelho microscópico– de monitoração contínua do catastrófico sistema nacional de ensino básico,teria significância histórica, como a Embratel, que, nos anos 70, transformou a micronésia que era a telefonia nacional num sistema moderno, integrado, eficaz. O maior ganho, contudo, será outro. A trama causal da desconcertante elitização econômica do ensino superior de qualidade no País deságua na auto exclusão que o aluno pobre se impõe ao assumir: “A USP não é para o meu bico, mano!” A integração do processo seletivo por meio de um grande exame nacional criará um referencial nacional comum. Fico pensando na reação mental de um garoto pobre da periferia da Nação que sempre sonhou com aviões, ao verificar que sua nota no Enem o teria colocado, com folga, na segunda fase da Engenharia Aeronáutica do ITA.

SEBASTIÃO DE AMORIM
PROFESSOR DE ESTATÍSTICA NA
UNICAMP E DIRETOR CIENTÍFICO
DA TECNOMETRICA, É PAI DE DOIS
UNIVERSITÁRIOS E UM VESTIBULANDO.