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10/07/2017 / Em: Clipping

 

Unesp terá comissão para verificar declaração de cor dos alunos cotistas (Estadão – Edu – 10/07/2017)

Sistema foi criado, de acordo com reitoria, após denúncias de fraudes entre candidatos que se inscreveram como pretos ou pardos

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai averiguar se alunos cotistas da instituição são realmente pretos ou pardos, como indicado na inscrição do processo seletivo. Segundo a instituição, o sistema foi criado após denúncias de falsas declarações entre candidatos cotistas. A ideia, por enquanto, não é verificar a etnia de todos os estudantes. Passarão pela checagem só alunos que forem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp. No futuro, há intenção de ampliar a abrangência da averiguação. E terá efeito retroativo: se houver denúncia, será avaliada a suposta inconsistência na autodeclaração dos já matriculados. Na análise, serão usados critérios físicos, como a cor da pele ou o tipo de cabelo. Diferentemente de outras comissões do tipo para vestibulares e concursos públicos, também poderão ser considerados, entre alunos com pele menos escura, aspectos subjetivos, como a identidade negra do candidato em contextos sociais ou culturais. “Há casos em que gostaríamos de considerar: estudantes que desenvolveram sua identidade em espaços de construção cultural negra, como escola de samba, capoeira ou organização quilombola”, explica Juarez Tadeu de Paula Xavier, assessor da Pró-reitoria de Extensão Universitária da instituição. Esse perfil sociocultural pode ajudar o aluno a seguir na instituição, mas não significa que será obrigatório para ter direito à cota. A universidade diz que vai dar amplo direito de defesa aos avaliados, como o uso de fotografias, documentos e vídeos. A análise será feita caso a caso. O estudante será avaliado por uma comissão formada por professores alunos e funcionários. Caso não seja enquadrado como preto ou pardo, será excluído da universidade. O mecanismo foi criado após denúncias levadas pela ONG Educafro – que busca a inclusão de pobres e negros na educação – e por coletivos da universidade. Houve queixas em pelo menos metade dos 24 municípios onde a Unesp tem câmpus, segundo Xavier. “É um volume considerável”, diz ele, sem precisar números. Todas ainda estão em apuração. Em 2013, a Unesp foi a primeira a adotar cotas entre as estaduais paulistas, de forma escalonada. Agora, a reserva é de 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse grupo, 35% para pretos, pardos e indígenas (PPI), segundo a distribuição populacional no Estado de São Paulo medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 7.403 calouros da Unesp neste ano, 1.922 – 26% do total – são PPI.

De olho

Frei David Santos, diretor executivo da Educafro, afirma que o movimento negro é defensor da autodeclaração. “Mas ela só tem valor se houver uma comissão antifraude.” É comum que falsos cotistas, segundo ele, usem truques para se passarem como pretos e pardos – desde o uso de turbantes até o bronzeamento artificial. Para o ativista, deve ter direito a cotas raciais aquele que enfrenta preconceito pela aparência. Uma pessoa de pele clara, ainda que tenha familiares negros, sofre pouco com a discriminação, diz. Ele propõe que as universidades atuem em três frentes: obrigar os fraudadores a ressarcirem a instituição, usar o dinheiro para um fundo de bolsas para estudantes negros e criar edital para que a vaga aberta após o desligamento do falso cotista seja ocupada por um candidato PPI. A ideia também é alvo de críticas. Para o professor de Direito Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, comissões como essa “criam uma segregação justamente onde se queria evitar”, uma vez que “vai continuar marcando aquele aluno como ‘uma pessoa especial’ que precisa provar o quanto é especial, o que anula o principal proveito da política inclusiva, que é criar diversidade”. Marques diz ainda que “a quantidade de melanina na pele não é fator objetivo que define se o sujeito é ou não merecedor da inclusão”.

 

Cotas na USP: tiro errado no alvo certo (Estadão – Edu – 08/07/2017)

Solução covarde e simplista de quem não acredita que o ensino público pode ser melhorado

A Universidade de São Paulo (USP) é a melhor universidade da América Latina e um dos melhores exemplos de injustiça distributiva. O ensino na USP é pago. Ela recebe 5,03% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido no Estado. Quando você compra um saco de arroz está pagando o ensino oferecido pela USP. Como é pago por todos os cidadãos, a USP não cobra diretamente dos alunos. O público da USP são os estudantes que terminam o ensino médio. O censo escolar do Estado de São Paulo (2014) mostra que existiam aproximadamente 530 mil alunos cursando o terceiro ano do ensino médio, potenciais candidatos a seguir estudos na USP. Desse total, 444 mil (83%) estudam em escolas públicas e 86 mil (17%) em escolas privadas. Portanto, se a chance de ingressar na USP fosse igual para alunos de escolas públicas e privadas, 83% dos 11 mil alunos que ingressaram na USP em 2014 seriam de escolas públicas e 17% de escolas privadas. Mas a realidade é muito diferente. Em 2014 somente 32% dos ingressantes vieram de escolas públicas, 68% vieram de escolas privadas. Dos 444 mil potenciais candidatos da escola pública, somente 3.520 foram contemplados com uma vaga na USP (0,79%). Por outro lado, dos 86 mil alunos da escola privada, 7.480 foram contemplados (8,6%). Alunos de escola privada tem 11 vezes mais chances de entrar. Sem os pontos bônus recebidos pelos alunos da escola pública essa diferença seria ainda maior. É isso que se chama injustiça distributiva: todos pagam, mas só alguns ficam com o benefício. O processo de seleção da USP não discrimina alunos da escola pública. A prova é exatamente igual. Na inscrição e na correção das provas, a informação sobre a origem do aluno, sua raça, cor, ou renda familiar não é levada em conta. A única razão para essa enorme injustiça distributiva é o pior preparo dos alunos da escola pública. É simples e óbvio: o ensino público no Estado de São Paulo é pior que o ensino privado. Dada a diferença de poder aquisitivo, os pobres só têm a opção da escola pública e acabam fora da USP. Uma forma indireta de discriminação. Essa injustiça distributiva precisa ser corrigida. É correta a meta de incluir mais alunos da escola pública na USP. Existem duas formas de corrigir essa distorção. A escola pública pode melhorar sua qualidade, garantindo que seus alunos passem no vestibular, ou a universidade pode discriminar favoravelmente os alunos da escola pública, dando pontos extras ou garantindo uma fração das vagas para esses alunos. Esta semana, a USP decidiu pela segunda estratégia: vai garantir um número de vagas crescente para alunos da escola pública até que esse número chegue a 50% em 2021. Não explicou por que não adotou a meta de 83% que seria o matematicamente justo. Foi uma decisão populista. A universidade optou pela solução fácil e rápida, baixou a régua para os alunos da escola pública, transformou um sistema meritocrático em discriminatório. A partir de agora, dois grupos de alunos ingressarão. Os que sabem mais e os que sabem menos. Se o ensino continuar calibrado para os que sabem mais, os que sabem menos serão abandonados à própria sorte. É difícil ensinar os dois grupos simultaneamente. No longo prazo, a USP será obrigada a segregá-los em classes distintas. O suprassumo da discriminação. Outra opção é abaixar o nível do ensino, o que seria indesculpável, pois a USP determina a altura do sarrafo para todas as universidades brasileiras. A meta de aumentar a participação dos alunos das escolas públicas deveria ter sido colocada no colo de quem tem culpa pelo problema: os gestores do ensino médio. A sociedade deveria exigir desses gestores uma taxa crescente de aprovação no exame de ingresso da USP. Esse desafio ajudaria a melhoria do ensino público, colocando uma meta concreta, de fácil apuração. De quebra evitaria os problemas de discriminação intrínsecos ao sistema de cotas. A verdade é que os envolvidos preferiram uma solução que não exige esforço, a dos preguiçosos. Essa decisão, que em última análise é responsabilidade do governo de São Paulo, gestor da USP e das escolas, é um testemunho da descrença na possibilidade de melhorar o ensino público no curto prazo. Essa descrença não tem razão de ser. Os melhores alunos das escolas públicas são capazes de ingressar na USP. Um experimento que demonstra cabalmente o potencial desses alunos são os resultados do Instituto Acaia no seu programa Sagarana. Faz 12 anos o Acaia seleciona 36 alunos ao fim do segundo ano do ensino médio de escolas públicas da zona oeste de São Paulo. Oferece a eles um ano de curso intensivo com o objetivo de ajudá-los a entrar nas universidades públicas. As aulas são à noite e aos sábados. Não é cursinho, são três anos de ensino médio em um. Os alunos são selecionados com base em seu interesse, motivação e desempenho escolar. Apesar da carga didática alta, a taxa de desistência não chega a 10%. E agora você vai se espantar. A taxa de aprovação dos alunos do Sagarana nas universidades públicas é de 62,61% (quase 80 vezes maior que os 0,79% de todos os alunos das escolas públicas). Se a esse número você acrescentar as universidades privadas de primeira linha (como a FGV), a porcentagem chega a 73%, e inacreditáveis 94% se incluirmos todas as universidades privadas. O Acaia já colocou 468 alunos nessas universidades, incluindo a Faculdade de Medicina da USP. Imagine a autoestima desses alunos que não dependeram de cotas.A cada ano entram na USP aproximadamente 3.500 alunos das escolas públicas. Para dobrar esse número bastaria oferecer um programa semelhante a 5 mil alunos da escola pública (1% do total de alunos do terceiro ano). Caso 70% fossem aprovados, dobraríamos em um ano o ingresso de alunos da escola pública na USP. Para atingir essa meta bastariam 100 programas semelhantes ao Acaia Sagarana espalhados pelos municípios do Estado de São Paulo, com 50 alunos em cada programa. Ao longo dos anos esse programa poderia ser estendido a todos os alunos. Ninguém vai me convencer que isso não é factível, falta vontade. É por isso que acredito que as cotas são uma solução covarde e simplista de quem não acredita que o ensino nas escolas públicas pode ser melhorado e sequer tem a coragem de tentar. Um tiro errado no alvo certo.

 


USP e Unicamp não preveem checagem (Isto É – Geral – 10/07/2017)

 A Universidade de São Paulo (USP), que decidiu pela adoção de cotas sociais e raciais nesta semana, disse não prever a instalação de uma comissão de checagem. Destacou ainda que o bônus na Fuvest por autodeclaração de PPI funciona desde 2013 e nunca houve problemas no processo. Já a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que resolveu aderir ao sistema de reserva de vagas em maio, informou que será criada uma Secretaria de Ações Afirmativas, que irá monitorar as cotas e receberá denúncias. Mas não prevê, por enquanto, um comitê de checagem.

 


Unesp terá comissão para verificar declaração de cor dos alunos cotistas; USP e Unicamp não preveem checagem (R7 – Notícias – 10/07/2017)

Passarão pela checagem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp

A Unesp (Universidade Estadual Paulista) vai averiguar se alunos cotistas da instituição são realmente pretos ou pardos, como indicado na inscrição do processo seletivo. Segundo a instituição, o sistema foi criado após denúncias de falsas declarações entre candidatos cotistas. A ideia, por enquanto, não é verificar a etnia de todos os estudantes. Passarão pela checagem só alunos que forem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp. No futuro, há intenção de ampliar a abrangência da averiguação. E terá efeito retroativo: se houver denúncia, será avaliada a suposta inconsistência na autodeclaração dos já matriculados. Na análise, serão usados critérios físicos, como a cor da pele ou o tipo de cabelo. Diferentemente de outras comissões do tipo para vestibulares e concursos públicos, também poderão ser considerados, entre alunos com pele menos escura, aspectos subjetivos, como a identidade negra do candidato em contextos sociais ou culturais. “Há casos em que gostaríamos de considerar: estudantes que desenvolveram sua identidade em espaços de construção cultural negra, como escola de samba, capoeira ou organização quilombola”, explica Juarez Tadeu de Paula Xavier, assessor da Pró-reitoria de Extensão Universitária da instituição. Esse perfil sociocultural pode ajudar o aluno a seguir na instituição, mas não significa que será obrigatório para ter direito à cota. A universidade diz que vai dar amplo direito de defesa aos avaliados, como o uso de fotografias, documentos e vídeos. A análise será feita caso a caso. O estudante será avaliado por uma comissão formada por professores alunos e funcionários. Caso não seja enquadrado como preto ou pardo, será excluído da universidade. O mecanismo foi criado após denúncias levadas pela ONG Educafro — que busca a inclusão de pobres e negros na educação — e por coletivos da universidade. Houve queixas em pelo menos metade dos 24 municípios onde a Unesp tem câmpus, segundo Xavier. “É um volume considerável”, diz ele, sem precisar números. Todas ainda estão em apuração. Em 2013, a Unesp foi a primeira a adotar cotas entre as estaduais paulistas, de forma escalonada. Agora, a reserva é de 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse grupo, 35% para PPI (pretos, pardos e indígenas), segundo a distribuição populacional no Estado de São Paulo medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dos 7.403 calouros da Unesp neste ano, 1.922 — 26% do total – são PPI.

De olho

Frei David Santos, diretor executivo da Educafro, afirma que o movimento negro é defensor da autodeclaração. “Mas ela só tem valor se houver uma comissão antifraude.” É comum que falsos cotistas, segundo ele, usem truques para se passarem como pretos e pardos – desde o uso de turbantes até o bronzeamento artificial. Para o ativista, deve ter direito a cotas raciais aquele que enfrenta preconceito pela aparência. Uma pessoa de pele clara, ainda que tenha familiares negros, sofre pouco com a discriminação, diz. Ele propõe que as universidades atuem em três frentes: obrigar os fraudadores a ressarcirem a instituição, usar o dinheiro para um fundo de bolsas para estudantes negros e criar edital para que a vaga aberta após o desligamento do falso cotista seja ocupada por um candidato PPI. A ideia também é alvo de críticas. Para o professor de Direito Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, comissões como essa “criam uma segregação justamente onde se queria evitar”, uma vez que “vai continuar marcando aquele aluno como — uma pessoa especial — que precisa provar o quanto é especial, o que anula o principal proveito da política inclusiva, que é criar diversidade”. Marques diz ainda que “a quantidade de melanina na pele não é fator objetivo que define se o sujeito é ou não merecedor da inclusão”.

USP e Unicamp

A USP (Universidade de São Paulo), que decidiu pela adoção de cotas sociais e raciais nesta semana, disse não prever a instalação de uma comissão de checagem. Destacou ainda que o bônus na Fuvest por autodeclaração de PPI funciona desde 2013 e nunca houve problemas no processo.

Já a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que resolveu aderir ao sistema de reserva de vagas em maio, informou que será criada uma Secretaria de Ações Afirmativas, que irá monitorar as cotas e receberá denúncias. Mas não prevê, por enquanto, um comitê de checagem.

 


Unesp cria comissão permanente para apurar denúncias em sistema de cotas (Bem Paraná – Brasil – 10/07/2017)

A Unesp (Universidade Estadual Paulista) anunciou a criação de comissões permanentes em seus campus para verificar a declaração de cor de alunos aprovados pelo sistema de cotas. A medida acontece após denúncias de fraude, como revelou o “Estado de S. Paulo”. Em caso de comprovação de irregularidade, os estudantes deverão ser desligados. Implantado em 2013, o sistema de cotas da Unesp foi ampliado a cada ano, chegando a 50% das vagas no vestibular 2018. O percentual é destinada a alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas; 35% deles deverão ser pretos, pardos e indígenas. Segundo a universidade, cada faculdade implantará a comissão de acordo com a sua necessidade. A ideia não é verificar todos os alunos autodeclarados pretos e pardos, mas sim os casos denunciados -estudantes indígenas têm a autodeclaração confirmada pela Funai. Desde o final do ano passado, uma comissão provisória já tinha sido formada e, por seis meses, recolheu as denúncias encaminhadas a todas as unidade. Parecer dessa comissão levou à criação das comissões permanentes, que agora retomarão a apuração das denúncias. A universidade não informou quantas denúncias foram recebidas, mas aponta que a comissão “encontrou ‘fortes indícios de fraudes’ nas autodeclarações, em diversos campus, em diversas unidades e em diversos cursos”. Apesar disso, nenhum estudante foi desligado da instituição até o momento. “Até que haja a conclusão dos processos, os casos serão tratados como denúncias em fase de verificação, para que a instituição tome as medidas legais necessárias, que poderão levar ao desligamento da universidade, assegurado o direito do contraditório e de defesa. Só depois, ao estudante poderá ser desligado”, afirma a Unesp em nota. Publicada no último dia 3 no “Diário Oficial” do Estado, a resolução estabelece que a comissão de avaliação será composta por um integrante do Nupe (Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão), um docente e um discente indicados pela congregação ou pelo conselho diretor, um servidor da seção técnica de graduação e um assistente social. Instalados os trabalhos, a comissão deverá emitir parecer conclusivo em 30 dias. O candidato será excluído se não comparecer à entrevista ou se a maioria dos membros da comissão considerar que ele não se enquadra como preto ou pardo. Já o aluno terá um prazo de três dias para apresentar recurso. No vestibular 2017, dos 7.403 alunos ingressantes na universidade, 3.888 eram provenientes de escolas públicas (52,6%) e 1.922 eram PPI (26%). USP E UNICAMP Retardatária em relação à reserva de vagas, a USP (Universidade de São Paulo) aprovou na última terça-feira (4) o sistema de cotas sociais e raciais a partir do vestibular de 2018. O sistema será implantado de forma escalonada ao longo de quatro anos. Em 2018, 37% das vagas deverão ser destinadas a alunos de escola pública, chegando a 50% em 2021. Dentro dessa cota, deverão ser reservadas vagas para pretos, pardos e indígenas na mesma proporção da presença dessa população verificada pelo IBGE no Estado de São Paulo -hoje, de 37%. Em maio, a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) aprovou em maio a adoção de sistema de cotas para estudantes de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas a partir do vestibular de 2019. O formato do programa será discutido por um grupo de trabalho até novembro deste ano. O plano da universidade também deve prever a meta de 50% de estudantes oriundos da rede pública, por curso e turno, e buscar a meta de 37% de auto-declarados PPI.

 


USP, Uerj e as cotas (O Globo – Sociedade – 10/07/2017)

Mais de 20 mil alunos já ingressaram na Uerj via reserva de vagas. Evasão no grupo é menor do que entre os demais estudantes

Na semana passada, enquanto a USP decidia aderir ao sistema de cotas, a Uerj e as demais universidades estaduais fluminenses, mesmo no meio da mais grave crise de sua história, davam início ao trabalho oficial de avaliação da política de reserva de vagas para negros, alunos da rede pública, pessoas com deficiência e filhos de policiais ou bombeiros mortos em serviço. Apesar de o sistema ter iniciado em 2002, a lei em vigor data de 2008. Ela estabeleceu que as cotas valeriam por dez anos e que, um ano antes do fim deste prazo, a política deveria ser reavaliada. Este processo teve início na semana passada, quando foi instituída em audiência pública na Procuradoria-Geral do Estado uma comissão com o objetivo de recomendar aperfeiçoamentos no sistema. Quando as primeiras universidades públicas adotaram cotas, houve muito questionamento a respeito da sua legalidade. Em 2012, porém, em decisão unânime de seus ministros, o Supremo Tribunal Federal declarou que a política era constitucional. Havia também o temor de que a medida levaria a altas taxas de evasão e a uma queda na qualidade do curso. A maioria dos estudos realizados até o momento vai na direção contrária. Na audiência realizada na Procuradoria-Geral do Estado, a Uerj informou que 23 mil alunos já ingressaram em seus cursos desde 2002 via política de cotas. Desse total, 35% (mais de 8 mil estudantes) já concluíram seus estudos, 40% seguem matriculados e 25% evadiram. Mesmo considerando que uma parte desses alunos evadidos pode ter ingressado em outro curso, a taxa de 25% é preocupante. Porém, ao contrário do que previam os críticos das cotas, entre os não beneficiários da política este percentual foi ainda maior, pois 37% dos 51 mil alunos que ingressaram sem reserva de vagas desde 2002 são considerados evadidos nas estatísticas da Uerj. Estudos feitos em outras instituições indicam também que não há significativa discrepância no desempenho acadêmico dos alunos beneficiados ou não. Um dos mais recentes foi feito pelos pesquisadores Lara Vilela (Kroton), Naercio Menezes-Filhos (Insper) e Yudi Tachibana (Insper). Utilizando dados do Enem e do Censo da Educação Superior, os autores concluem que “a maior diversidade nas universidades federais introduzida pelas cotas não acarreta ingresso de alunos com notas significativamente menores quando comparado com o cenário sem cotas.” A principal explicação para este resultado é uma boa notícia que vem do ensino médio. Tabulações feitas pela coluna na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostram que, em 1992, apenas 4% dos jovens de 18 e 19 anos tinham ensino médio completo. Em 2001, antes de as primeiras instituições reservarem vagas, a proporção era de 14%. Em 2015, último ano com dados disponíveis, este percentual chegou a 40%. Há, portanto, um número muito maior de jovens aptos a ingressar nas universidades via cotas raciais. Houve também um aumento de jovens brancos com ensino médio completo e, como as matrículas na rede pública representam 88% do total neste nível de ensino, muitos deles puderem se beneficiar também das cotas sociais. O sistema de cotas não é perfeito nem pode ser definitivo. Há ainda um longo caminho a percorrer, mas a boa notícia é que o debate agora pode acontecer com base em mais evidência e menos opinião.

 


 

Cursinhos populares promovem educação como direito e não mercadoria (RBA – Revistas – 09/07/2017)

Conduzidos por voluntários que acreditam no papel emancipador da educação, cursinhos são um movimento social preparador de jovens para o vestibular, para a universidade e para a vida

Ao ingressar no curso de História da Universidade de São Paulo (USP), em 2009, a estudante Grazieli Chirosse Batista, hoje com 27 anos, sentia certa discriminação. Moradora da zona leste da capital paulista e tendo cursado parte do ensino fundamental em escola pública, Grazi notou que a USP trata melhor o aluno que vem de escola particular – por consequência, de melhor renda. Perceber essa diferença – e querer mudar essa situação – foi fundamental na vida da jovem. No ano seguinte, já dava os primeiros passos na que vem a ser hoje uma de suas lutas mais consistentes: a defesa do ensino público, gratuito e de qualidade e do acesso democrático à universidade. “Tive contato com as ideias de Paulo Freire e me apaixonei”, revela. “Vislumbrei na educação uma possibilidade real de transformação social.” Com essa disposição, ela se aproximou de movimentos e se vinculou à Frente de Cursinhos Populares. Começou dando aulas de História e rapidamente passou à coordenação do cursinho Laudelina de Campos Melo, no bairro do Ipiranga, região sudeste paulistana. Junto com Bruno Pessa, jornalista, Victor Pastore, formado em História, e Tiago Lourenço, físico, ela é responsável por organizar as atividades do Laudelina, que vão muito além da sala de aula. Uma característica marcante nos cursinhos populares é oferecer aos frequentadores muito mais do que o conteúdo necessário para enfrentar o vestibular. Outro ponto em comum: os professores trabalham como voluntários e participam de reuniões para melhorar a formação pedagógica. E, obviamente, os cursinhos não podem cobrar mensalidade. A coordenação se estrutura de forma horizontal, não existe uma estrutura hierárquica engessada. Tudo é discutido coletivamente. Na divisa entre o bairro de Itaquera (São Paulo, zona leste) e o município de Ferraz de Vasconcelos, está o cursinho Viramundo. Coordenado por Amanda Ventura, estudante de Engenharia Civil da Uninove, e Álvaro Costa, aluno de Publicidade da FMU, o Viramundo é um oásis de conhecimento e cultura para jovens da região, com saraus, debates, filmes. E aulas. “Aqui faltam alternativas de lazer, não existem políticas públicas para a cultura”, afirma Amanda. Como o Laudelina, funciona em escola pública que cede o espaço nos finais de semana para as aulas. A parceria é firmada informalmente com a direção. Na zona sul está o Carolina de Jesus, em atividade numa escola do Capão Redondo, tendo à frente os jovens Lucas Rodrigues Alves, formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), e Gabrielly Leite, estudante de Psicologia do Mackenzie. Atualmente, existem na cidade de São Paulo cerca de 60 cursinhos com perfil semelhante, segundo estimativa do geógrafo Cloves Alexandre de Castro, estudioso do assunto – e ele próprio frequentador e fundador de uma iniciativa nesses moldes. Em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Geociências da USP, Cloves explica que os cursinhos “são movimentos sociais, espaços e canais em torno de uma demanda pelo acesso ao ensino superior”. Na pesquisa, ele reflete sobre os últimos 25 anos dos cursinhos alternativos e populares do Brasil. Para eles, os populares são os ligados à Rede Emancipa (movimento social com ligação com o Psol), o MSU (Movimento dos Sem Universidade), Educafro e Uneafro (vinculados ao movimento negro), e os alternativos são os cursinhos de universidades e prefeituras. Esses últimos podem, em algum momento, se tornarem cursinhos de mercado. Muitos dos populares, no entanto, trabalham de forma independente, sem ligação com nenhum movimento. Alguns, contrariando a concepção que norteia o tema, cobram mensalidades baixas e, mesmo assim, ainda oferecem bolsas. Outros pedem aos alunos auxílio para o custeio de apostilas ou outros materiais.

Alternativa de inclusão

Para Grazi, do Laudelina, os cursinhos populares, para ser assim denominados, não deveriam cobrar nada. “Qualquer coisa que você cobra já exclui alguém”, diz. Ela lembra que muitos alunos deixam o cursinho por não ter sequer o dinheiro da condução. Outros ainda vivem uma situação contraditória, delicada: passam no vestibular em outro município e não têm como bancar os custos de passagem e moradia, por exemplo. “Tentamos, de alguma forma, dar conta dessas questões, mas não é fácil.” Segundo Cloves, os cursinhos com perfil de populares ou alternativos se configuram como movimentos socioespaciais urbanos, um conceito que é resultado de um intenso debate na geografia brasileira sobre os movimentos sociais há 30 anos, com implicações naqueles que não lutam pelo espaço em si e sim pelos usos dos serviços e infraestrutura. “Nesse sentido”, diz o pesquisador, “os cursinhos são movimentos sociais, espaços e canais em torno de uma demanda pelo acesso ao ensino superior”. Essa procura cresceu entre os anos 1990 e 2000, e a tendência é que amplie, crescendo também, paralelamente, o número de cursinhos com esse foco – ou seja, com propostas de ensino que buscam construir outra prática de educação, em que as camadas mais pobres da população possam estar incluídas. Segundo Cloves, o primeiro dos cursinhos alternativos surgiu em 1948, na Escola Politécnica da USP, nascido do movimento estudantil – mas, de acordo com o pesquisador, não era um cursinho de “excluídos”. “Também não se tratava de um cursinho de mercado, até porque estava situado dentro do espaço público.” Mas ele destaca que foi dada ali, no cursinho da Poli, a largada para o surgimento dos alternativos e populares. O que marca esse movimento é justamente a crítica ao modelo de ingresso às universidades, atualmente baseado na meritocracia, e uma visão totalmente diferenciada sobre educação, distinta do que prega a maioria das escolas.

“O vestibular é um funil e só expõe a imensa brecha que existe entre a escola pública e a privada”, diz Lucas Alves, coordenador do Carolina de Jesus. Um cursinho dito popular tem de estimular o debate crítico, preparar o aluno para a universidade, não para o vestibular, segundo os jovens que estão à frente desse modelo. “Lutamos para que a educação seja um direito, não uma mercadoria. Queremos uma educação crítica e emancipadora, não massificadora”, defende Gabrielly Leite, também do Carolina. Os cursinhos de mercado representam a continuidade de um processo, ao contrário do popular. “Não há vagas para todos. A concepção desse projeto educacional dos cursinhos busca superar as desigualdades na educação brasileira”, diz Cloves. Para os jovens de baixa renda, vindos de escolas públicas e, muitas vezes, os primeiros da família a poder ingressar numa universidade, os cursinhos populares representam uma chance concreta de passar num vestibular.

Alcançar o inatingível

Danielli Arcanjo, de 16 anos, moradora de Poá, na Grande São Paulo, é aluna do Viramundo, em Ferraz de Vasconcelos. Estuda para ser médica. “Sei que é difícil entrar numa universidade pública, mas não é impossível, né? Meus pais, que não têm faculdade, me apoiam muito e eu tenho pegado firme nos estudos”, diz a estudante, determinada. Gabrielly, coordenadora do Carolina e ex-aluna do cursinho, é filha de uma família de retirantes nordestinos. O pai é garçom e a mãe, empregada doméstica. Seu diploma no Mackenzie será o primeiro universitário da família e de boa parte do grupo de amigos do bairro, o Campo Limpo, zona sul. “Das pessoas que fizeram ensino fundamental comigo a maioria está fora da universidade. Os que ingressaram – muito depois de mim – foram para faculdades privadas com bolsa, instituições consideradas de baixa qualidade”, conta. Seu sonho sempre foi ir longe nos estudos. “Tenho claro que um diploma universitário é um dos caminhos para mudar a realidade da minha família.” Embora não tenha entrado na USP, Gabrielly está no Mackenzie, faculdade considerada de elite, com bolsa do ProUni. Para muitos jovens como ela, não fossem os cursinhos populares instituições como Mackenzie ou USP soarim como inatingíveis. “Diversos professores das escolas públicas nem falam do vestibular da Fuvest para seus alunos”, afirma Grazi. Na sala de aula do cursinho, os professores são estimulados a fomentar nos estudantes o desejo de ingressar em uma universidade pública. Para marcar essa posição, a cada ano, ao final do primeiro semestre de aulas, vários cursinhos populares se organizam para um movimento que chamam de Ocupa USP. Este ano, o evento ocorreu no dia 24 de junho e reuniu mais de 400 alunos, de seis cursinhos populares. Eles têm por costume percorrer parte da universidade, num tour crítico informativo. O encontro conta com sarau, almoço coletivo e debates a respeito da democratização do acesso à universidade púbica – além, é claro, de protestos contra a escassez de negros na instituição e contra a elitização do ensino de forma geral. Muitos alunos chegam a esse “passeio” sem nunca ter ouvido falar na USP, sem saber que ela é pública, que pode ser visitada, que os livros em suas bibliotecas podem ser consultados. Lucas, do Carolina de Jesus, resume bem a proposta dos cursinhos populares. “Não somos só um preparatório para o vestibular. Preparamos para a prova, para que o aluno passe, mas também queremos prepará-lo para a nova realidade que irão encontrar por lá. Nossos alunos, por culpa do despreparo de muitos professores, vítimas também dessa realidade educacional precária, chegam aqui com autoestima abalada. Mas conseguimos mudar isso. Inspirados em Paulo Freire, queremos que eles se reconheçam como transformadores sociais, que têm capacidade de mudar a realidade”, diz.

Orgulho de ser negra

Helena Souza Moraes, de 16 anos, aluna do Carol, como o cursinho é carinhosamente chamado, retrata bem a fala de Lucas. Negra, fazia alisamento no cabelo e conta que tinha o desejo de ser branca. No cursinho, foi aprendendo a se aceitar. Há poucos meses, Helena participou no Carol de um debate com Douglas Belchior, professor de História, militante do movimento negro e coordenador do Uneafro. E se emociona ao descrever como passou a ter orgulho de ser negra. “Ele falou de coisas que eu vivo, do racismo, foi muito tocante e me ajudou a mudar mais ainda minha cabeça”, explica. No Carol, ela havia aprendido a assumir os cachos naturais de seu cabelo. “O cursinho, com todos os debates, com uma visão crítica, me fortalece muito, eu me sinto pertencendo a algum lugar, sinto que posso muito também. As aulas são dadas de um jeito muito diferente da escola. Os professores são comprometidos, a gente aprende bastante”, garante. No Laudelina, as dinâmicas são parecidas, com círculos semanais, para discussão de um tema, e sempre com muito espaço para o debate e a construção de pensamento crítico. “Acho que estão no caminho certo, eles nos ensinam a ser cidadãos conscientes dos nossos direitos, nosso aprendizado não se resume às matérias do vestibular”, elogia Vitor Francisco de Matos, de 58 anos, candidato a uma vaga de História. “Sou nascido no Piauí e tenho muitas defasagens no ensino, mas aqui sinto que aprendo muito mais do que em vários anos de escola.” Iago Quental, de 18 anos, também acredita que as atividades extra sala de aula do Laudelina são fundamentais para aperfeiçoar os estudantes uma visão mais realista a respeito do mundo. “Vemos aqui coisas que jamais vemos nas escolas. O cursinho abre muito nossa cabeça e isso é bom para tudo”, afirma o jovem, que deseja se formar em Arquitetura. Outra característica dos cursinhos é que muitos dos seus professores já foram alunos, como Gabrielly. O professor de Química do Viramundo Matheus Dias, de 19 anos, diz que quis retribuir um pouco do que recebeu. O maior desafio das aulas, acredita, é dar todo o conteúdo em pouco tempo, e ainda lutando contra as dificuldades dos estudantes. “Mas eu me sinto gratificado por fazer minha parte. Acredito no potencial da educação.” Amanda e Álvaro, do mesmo cursinho, foram alunos da escola onde funciona o Viramundo. “Por conhecer de perto a realidade de Ferraz, ficamos ansiosos por fazer algo para mudar a vida de muitos desses jovens aqui da região”, explica Álvaro. Para Amanda, o déficit de autoestima é um problema sério dos estudantes. “Eles precisam aprender a acreditar neles. Muitos não contam com apoio nem da família, nem da escola, precisam do cursinho para seguir em frente. A evasão é grande e, nas periferias, o espaço que não é ocupado com educação e cultura vira alvo da violência”, assegura. Professora de Sociologia no Viramundo, Juliana Zaroni reforça a opinião dos coordenadores. Moradora do bairro paulistano da Saúde, na zona sul, próxima ao chamado centro expandido, Juliana tem um perfil diferente do encontrado no cursinho onde leciona. Essa diferença, no entanto, a estimula a andar percorrer duas horas de metrô, trem e ônibus para chegar ao cursinho aos sábados. “Vejo o movimento secundarista como um oásis no deserto”, diz. Jornalista, migrou para a Sociologia e para o universo das escolas públicas por acreditar no potencial transformador da educação. “Aqui, de fato, eu vejo sentido no que faço.” O projeto político-pedagógico dos cursinhos passa pelo caráter emancipador da educação. Nesses espaços, os jovens das periferias têm encontrado apoio para sonhar, juntos, com um ensino que seja público e de qualidade, e que possibilite seu ingresso numa universidade gratuita. Segundo o Ministério da Educação, mais de 85% dos estudantes brasileiros do ensino médio estão na rede pública. Em 2016, apenas 34,6% dos estudantes que começaram estudar na USP – que ainda não tinha política de cotas para alunos escolas públicas – vieram desse segmento. Esses números dão uma dimensão da elitização do acesso à universidade e mostram como a luta dos cursinhos populares é necessária. E está longe de ser concluída.