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20/07/2010 / Em: Clipping

 


Sem cotas, estatuto racial de Lula é apenas carta de intenções, dizem especialistas  (UOL – Políticas – 20/07/10)

O Estatuto da Igualdade Racial, a ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira (20), desvia do tema mais sensível relacionado ao preconceito no Brasil – a instituição de cotas em universidades, empresas e partidos políticos -, e se constitui em uma lista de ações afirmativas, positiva por reconhecer que há racismo no país. É essa a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL Notícias. O texto aprovado pelo Congresso diz que o poder público terá programas e medidas específicos para reduzir a desigualdade racial; ressalta as religiões africanas; transforma a capoeira em esporte; estimula ações das financeiras para viabilizar moradia para os negros; e cria o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), que lida com medidas para essa população. Leis e decretos vão regulamentar outros itens do estatuto: financiamento agrícola específico, ações de ocupação de espaço no mercado de trabalho, concessão de cargos em comissão e criação de ouvidorias. Os maiores entraves para a aprovação do documento ficaram de fora. O texto que chegou a Lula exclui cotas para escolas, trabalho, publicidade e em partidos políticos. “Esse texto é mais positivo do que negativo. Fundamentalmente, conseguimos combater as propostas raciais do estatuto. O que foi aprovado não é um estatuto racial, e sim uma relação de ações afirmativas que não defende a segregação de direitos raciais”, disse José Roberto Militão, membro da Comissão de Assuntos AntiDiscriminatórios OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil). “Reparações pela escravidão são diferentes de ações afirmativas. Discutir reparações é importante, mas não poderia estar no estatuto, que tem a intenção de reconhecer, sim, oficialmente, que há preconceito racial no Brasil”, afirmou o jurista, um dos principais integrantes do movimento negro brasileiro a se posicionar contra a instituição de cotas em universidades e empresas. Para o antropólogo Kabengele Munanga, professor da USP (Universidade de São Paulo), a ausência das cotas desfigura o estatuto. “O documento foi praticamente desfigurado. O fato de reconhecerem que há preconceito no Brasil e que algo precisa ser feito já é alguma coisa. Mas o texto não contempla a expectativa da população negra, porque um dos problemas do Brasil – a ausência de igualdade – foi removido.” 



Escolas demais, engenheiros de menos  (O Estado de S.Paulo – Espaço Aberto – 20/07/10)

Em novembro de 2009 o Estado estampou a matéria Ministério espera dobrar a oferta em 6 a 8 anos, em que o Ministério da Educação (MEC) apontava incentiva a careação de novos cursos de Engenharia para suprir a necessidade de mais engenheiros.Dentre as razões apresentadas, citava que a excessiva quantidade de denominações dos cursos de Engenharia limita a expansão da área! De fato, temos um exagero de denominações nos cursos,mas nem de longe essa é a razão de tal limitação.A causa principal do excesso de denominações dos cursos, fruto da tendência especialista praticada pelas escolas de Engenharia na década de 1970, foi prejudicar sobremaneira a mobilidade de nossos formandos nesse campo. Não tem sentido atribuir nomes a cursos que o próprio setor produtivo não conhece,mais ainda,que os próprios alunos do ensino médio não têm a mínima idéia do seu significado.Várias especialidades foram criadas para acomodar divergências internas nas universidades públicas e/ou para atrair novos alunos com denominações de cursos ilusórias,oriundas mais de ações de marketing do que da real necessidade da Nação. Não são poucos os estudantes que tiveram sua contratação cancelada simplesmente pelo fato de que o nome de seu curso não coincidia como nome colocado no edital, apesar de sua especialidade ser uma ênfase da modalidade exigida. A Europa já resolveu essa questão via tratado de Bolonha,que limitou em 14 as denominações dos cursos europeus; na América do Sul, a Argentina já fez a sua lição de casa, reduzindo-as a 22.No Brasil a discussão é intensa e estamos longe de chegar a bom termo, pois são grandes as reações contrárias à proposta. Esquecem os dirigentes que os benefícios oriundos dessa redução para os estudantes  serão sensíveis,sobretudo quanto à facilidade decorrente as mudanças de rumo de sua carreira e à expansão do leque de opções pós-formatura, além de possibilitar uma revisão em nossos cursos no sentido de levá-los a um conceito mais generalista, como parece ser a tendência atual em todo o planeta.Com relação aos números, o Brasil apresenta quase 1.500 cursos de Engenharia, que oferecem aproximadamente 150 mil vagas por ano.Apesar de tal oferta generosa, temos apenas 300 mil estudantes nessa área (deveríamos ter 750 mil!) e apenas 30 mil se formam anualmente. A realidade é que a evasão nos cursos de Engenharia é vergonhosa,tudo isso sem contar que recentes avaliações apontam que apenas um quarto desse contingente tem nível de formação considerado satisfatório.Por essas razões, podemos concluir que não estamos com déficit em número de cursos, mas o rendimento de nossas escolas de Engenharia é muito baixo. As universidades públicas paulistas, estas, sim, poderiam fazer um esforço adicional para aumentar suas vagas nas Engenharias – há espaço para isso,pois nessas instituições de ensino superior apenas cerca de 25% de suas vagas são destinadas às carreiras tecnológicas, o que mostra um desequilíbrio em relação às demais carreiras. Levantamentos indicam também que mais de 50% de nossos estudantes abandonam o curso ao final do segundo ano por não conseguirem acompanhá-lo,seja pela dificuldade inerente à formação ou por questões financeiras,visto que o curso de Engenharia é caro, entre outros motivos, pela exigência de laboratórios especializados, que precisam de contínua renovação.O MEC, por sua vez, precisa encontrar uma solução para mitigar esse baixo rendimento, que ocorre apenas nas carreiras tecnológicas. Já apontamos em outros artigos que uma das razões está ligada à pouca importância que o ensino médio dá às matérias de Física, Química e Matemática, vetores de incentivo à carreira tecnológica.Adicionalmente,o País apresenta um déficit demais de 150 mil professores dessas matérias, de modo que temos mais de 150 mil profissionais que ministram Física,Química e Matemática sem formação na área, que transformam essas três disciplinas num “bicho de sete cabeças” que afasta os nossos jovens das carreiras tecnológicas, sobretudo da Engenharia. Já foi apontado também que abaixa carga horária de Física, Química e Matemática no ensino médio é outra questão que precisa ser revista, pois,se o País pretende atingir um patamar de desenvolvimento superior, suportado por uma tecnologia própria e de alto nível, apenas uma formação sólida nessas disciplinas garantirá a segurança que buscamos no futuro, senão continuaremos fadados a ser apenas exportadores de commodities,e não de produtos manufaturados. Acontece, no entanto, que as ações para resolver essas questões levarão algumas décadas,mesmo que as atitudes corretivas sejam tomadas de imediato.Apesar de algumas décadas serem um tempo muito curto para uma Nação, são, no entanto, demasiado longo para a Engenharia nacional, de modo que precisamos de ações emergenciais, dado o volume de investimentos projetados para os próximos anos.Dentre essas ações, julgamos que um plano de acompanhamento dos estudantes dos primeiros anos das Engenharias seja fundamental. As escolas investem recursos e esforços substanciais para atraí-los, mas não para mantê-los.O governo, considerando a dificuldade do momento,pode injetar recursos nas escolas de Engenharia para atualização de laboratórios, revisão de estruturas curriculares, atualização da base de T, I & C para acelerar o processo de ensino e aprendizagem e garantir uma boa formação. Quanto aos professores, devem entender que a Engenharia mudou. Está mais centrada na gestão do que no projeto, de modo que a estrutura curricular deve contemplar esta evolução sentida pela nossa profissão.

DIRETOR DA ESCOLA POLITÉCNICA
DA USP, É COORDENADOR DO
CONSELHO TECNOLÓGICO DO
SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO
ESTADO DE SÃO PAULO



Mais perversão na educação brasileira (Folha de S.Paulo – Opinião – 20/07/10)

Na sociedade contemporânea, cada vez mais complexa e diversificada, formação universitária aparece como fator de ascensão social. Neste Brasil de absurdos e iniquidades, educação superior supostamente implica uma profunda perversão social. Eis o argumento: no nível básico de ensino, aos pobres, por seu reduzido poder econômico, resta a rede pública, com precária infraestrutura e docentes desmotivados por baixos salários. Ao contrário, as camadas médias e altas da sociedade, por capacidade financeira própria, financiam a educação de seus jovens em escolas privadas, com melhores condições de vencer o filtro competitivo do vestibular. Nas universidades públicas, recebem gratuitamente educação superior de qualidade, enquanto os pobres são obrigados a pagar caro em instituições privadas. Essa análise oculta dois equívocos e uma falácia. O primeiro equívoco refere-se ao conceito de gratuidade, como se pudesse existir alguma atividade, realizada com eficiência, sem custos estruturais e operacionais. A universidade pública, dada sua missão social de excelência acadêmica, é cara e longe está de ser gratuita. É, de fato, pré-paga pelo orçamento público, constituído por impostos, taxas e também por contribuições sociais. O segundo equívoco é achar que, “por capacidade financeira própria”, as classes abonadas preparam seus jovens para ter acesso à universidade pública. Isso não é verdade. No Brasil, importante parcela das despesas educacionais retorna às famílias com maior nível de renda sob a forma de descontos e restituição de impostos; dessa forma, enorme (mas oculta) renúncia fiscal subsidia a educação privada de seus filhos, o que lhes facilita predominar na educação superior pública. A falácia encontra-se na premissa de que o Estado é sustentado por toda a sociedade, igualmente. A estrutura tributária brasileira é, em si, importante fator de desigualdade social. Proporcionalmente à renda, os pobres contribuem para custear a máquina estatal, em todos os níveis e setores de governo, mais do que contribuintes de melhor situação econômica. Dados do Ipea revelam que os mais pobres pagam 49 % de sua renda em impostos, enquanto os mais ricos contribuem com apenas 26 % da sua receita. Ciclo vicioso, tripla perversão social. A maioria pobre não só financia a educação superior mas também subsidia a educação básica privada da minoria social privilegiada, que, não fossem as ações afirmativas, ocuparia a maior parte das vagas públicas. Do ponto de vista da reprodução social, a formação daqueles oriundos da classe social detentora de poder político e econômico se dá, nas universidades públicas, em carreiras de maior retorno financeiro e prestígio social.
Por analogia ao conceito de mais-valia, a ideia de mais-perversão pode ser útil para entender e ajudar a superar a iniquidade social que tanto nos envergonha. O estancamento da renúncia fiscal de despesas escolares contribuirá para resgatar a dívida social da educação, entrave ao desenvolvimento econômico e humano de nosso país.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, doutor em epidemiologia, pesquisador 1-A do CNPq, é reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e membro do Observatório da Equidade do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).