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25/09/2017 / Em: Clipping

 

UFMG apura casos de alunos brancos entrando nas cotas para negros (Estado de Minas – Educação – 25/09/2017)

Federal prepara relatório de sindicância aberta após matéria do EM, na qual movimentos negros denunciaram uso irregular de benefício por alunos brancos. Instituição exigirá declaração escrita

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) prepara-se para concluir sindicância, aberta no ano passado, para apurar possíveis fraudes no sistema de ingresso de estudantes por cotas raciais em vários cursos, entre eles a disputada graduação em medicina. O levantamento do perfil dos alunos começou a ser feito a partir de matéria publicada pelo Estado de Minas, em abril de 2016, sobre denúncias feitas por movimentos negros. A instituição, que também recebeu denúncias em sua ouvidoria, vai começar no ano que vem a discutir junto a escolas de ensino médio sobre a Lei de Cotas e a exigir uma declaração por escrito de quem se autodefinir como negro ou pardo. Na reportagem “Movimentos negros denunciam fraude nas cotas raciais da UFMG”, de abril de 2016, o EM mostrou que os mecanismos da universidade permitem barrar fraudes somente em relação à condição de estudantes terem cursado escolas públicas e declarado baixa renda. Não há como controlar as cotas raciais, porque a lei não prevê fiscalização para esse critério, estabelecendo apenas a autodeclaração do candidato. Nem a Lei 12.711, de 29 de Agosto de 2012, que instituiu a ação afirmativa, nem a Portaria Normativa 18/2012, que a implementou, trazem qualquer previsão de mecanismo de verificação sobre a declaração eventualmente feita por candidatos que não se encaixem no perfil. A UFMG declarou na época ter como checar eventuais fraudes relacionadas ao ensino em escola pública e relativo à renda, que dão direito a condições diferenciadas para ingresso na federal. Verificado algum problema com esses critérios, o candidato perde automaticamente a vaga, e outra pessoa é convocada para seu lugar. Embora a autodeclaração em relação ao perfil étnico esteja prevista em lei, a UFMG passará a exigir, no ano que vem, uma declaração escrita dos estudantes candidatos, informando por que eles entendem fazer parte de determinado grupo. Ontem, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem informando que alunos brancos estão ingressando no curso de medicina da UFMG fazendo uso indevido do sistema de cotas da instituição, criado em 2009. As supostas fraudes envolveriam calouros com características físicas que não se encaixam no perfil da política afirmativa.

O pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis da UFMG, professor Rodrigo Edmilson de Jesus, informa que a sindicância sobre possíveis fraudes no sistema de cotas raciais, cujos resultados serão divulgados ainda este ano, implica coleta de dados e escuta de denunciados, entre outras questões. “Como está em andamento e em sigilo, não podemos informar nem quem participa do processo”, disse Rodrigo Edmilson. Segundo ele, denúncias sobre o assunto foram feitas à Ouvidoria da UFMG. “O objetivo da sindicância é verificar se há desinformação ou má fé”, disse.

PROCESSO EDUCATIVO

Sobre a iniciativa da UFMG de discutir a Lei de Cotas no ensino médio, o pró-reitor da UFMG explicou que se trata de um processo educativo: “Vamos instaurar um debate sobre a declaração e autodeclaração irresponsáveis, exatamente para evitar fraudes no ingresso à universidade. Afinal, o principal papel da UFMG é compartilhar com a sociedade o acúmulo de pesquisa. O diálogo é fundamental para não precisar chegar ao ponto de uma sindicância”. Certo de que a meta é o aprimoramento da política pública, Rodrigo Edmilson conta que a reserva de vagas é uma modalidade de ação afirmativa, pois a meta é criar condições igualitárias para grupos submetidos a processos históricos de falta de acesso à universidade. “Há também campanhas para que os cotistas se sintam orgulhosos. A autodeclaração, portanto, é uma porta de entrada. Essa política pode mudar a estrutura social, a cor e o rosto das profissões, a composição da universidade, entre outros aspectos”, disse.

 


Como no século 19: nossas salas de aula pararam no tempo (Gazeta do Povo – Educação – 25/09/2017)

Modelo atual é o mesmo da Revolução Industrial, que replica o formato de uma fábrica. Ambiente precisa considerar o protagonismo compartilhado e a tecnologia

Carteiras enfileiradas, quadro-negro na frente, professor de pé discursando e alunos sentados escutando. A sala de aula como conhecemos na maior parte do mundo teve sua origem na era da Revolução Industrial: foi concebida com a ideia de aplicar o modelo das fábricas no ambiente escolar.  Apesar das mudanças na sociedade durante esse período, o modelo permanece o mesmo – e pode não ser mais a melhor opção: “Nosso sistema educacional não está quebrado; está fundamentalmente obsoleto”, avalia Naveen Jain, fundador da Bluecora e filantropo em educação.  Para ele, uma das alternativas ao modelo tradicional é a aprendizagem ativa, na qual as habilidades dos alunos são colocadas no centro do processo. Nesse modelo, alunos têm acesso a videoaulas, que podem assistir a qualquer momento e com a frequência que considerarem necessário, e o tempo em sala é ocupado com atividades dinâmicas em grupo que visam englobar conteúdos interdisciplinares para o desenvolvimento de habilidades e competências. “A sala de aula precisa englobar mais do que apenas repassar informação – precisa ser um lugar em que as crianças se agrupam e resolvem problemas de modo interdisciplinar”, diz. E, se de um lado, a informação não se limita mais aos livros e está disponível de modo digital e com acesso universal; do outro, salas de aula são ocupadas por uma geração cada vez mais integrada às novas tecnologias, sinalizando mudanças para um modelo mais adequado ao perfil dos estudantes. “A aprendizagem na maior parte das escolas e universidades é totalmente obsoleta, porque insistem em produzir uma pedagogia baseada na transmissão de informação. Não precisamos de transmissão de informação, porque a informação está toda na internet”, afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells.

Modelo defasado

O sistema atual de ensino deixa de atender às expectativas não apenas dos estudantes, mas também dos profissionais do século 21. Enquanto no modelo industrial de sala de aula, inspirado pelo sistema fordista de linha de produção, os estudantes eram formados para se adaptarem ao trabalho nas fábricas, o mercado atual, voltado para a inovação, não está sendo abastecido do mesmo modo e suas novas necessidades não estão sendo acompanhadas pelo ambiente educacional. “É um grande desafio entender que o protagonismo da sala de aula agora é compartilhado entre professores e alunos, integrando o mercado definitivamente aos conteúdos, e utilizando o que existe de vanguarda em tecnologia, para proporcionar acesso rápido e eficaz às informações necessárias para construção do conhecimento de qualidade”, pondera Marcelo Peruzzo, coordenador dos MBAs com ênfase em Neurociência da Universidade Positivo (UP).  Na linha de frente dessas mudanças está o professor, que pode ser uma figura central na busca por novas práticas e soluções que atendam às necessidades dos alunos. “Os modelos de provas, obrigação de presença física em sala de aula e aulas no formato de monólogo estão fadados ao fracasso”, enfatiza Peruzzo.

Novo papel

O professor precisa desenvolver soluções para o uso das novas tecnologias para uma nova aprendizagem mais alinhada ao perfil e às demandas da nova geração de alunos. “O importante é conhecer o potencial das tecnologias na melhoria da qualidade da aprendizagem, desde que estejam vinculadas a objetivos claros e com métodos adequados à sua aplicação”, aponta a professora e pesquisadora Luccianne Guedes da Luz Martins, em pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Santa Maria. “O papel de destaque é o do professor que utiliza estas ferramentas para interagir com o seu aluno e colaborar na construção do conhecimento”. Já o papel central da escola continua sendo na formação, com a possibilidade de adaptação para novas necessidades e novos perfis de estudantes. “Quem teimar em ainda utilizar métodos do século passado, apenas estará dando um passo acelerado ao fim de uma história”, conclui Peruzzo.

 


Ampla avaliação (O Globo – Opinião – 25/09/2017)

Alunos de universidades federais, em média, entram mais bem preparados

Em qualquer área de atividade, indicadores de qualidade são essenciais para uma permanente melhoria dos serviços e para informar os usuários que os utilizam. Mas, por mais bem elaborados que eles sejam, os retratos que os indicadores fornecem sempre serão limitados e parciais. Na educação superior brasileira, a Lei do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), Lei 10.861/2014, é responsável por estabelecer os critérios de qualidade a serem medidos pelo Ministério da Educação. Segundo o regulamento, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) é responsável por mensurar o conhecimento dos formandos. A prova é aplicada a cada três anos aos alunos de uma das três grandes áreas do conhecimento (Saúde, Gestão e Engenharia e Licenciaturas). Sendo o Enade uma fotografia apenas da linha de chegada, se ele fosse o único indicador, poderíamos, ingenuamente, concluir que dois formandos com os mesmos resultados tenham tido desempenhos similares. Mas é de extrema importância levar em consideração que cada aluno chega à universidade com uma base de conhecimento diferente, a qual hoje é medida razoavelmente pelo Exame Nacional de Desempenho do Ensino Médio (Enem). Por isso, é previsto um outro indicador, o índice que representa o conhecimento agregado pelo curso superior ao aluno (IDD). Enquanto o Enade representa mais adequadamente o conhecimento do formando, o IDD diz mais respeito à qualidade do curso em formar o aluno ao longo da graduação. Desde 2008, o MEC desenvolveu o Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador que combina esses dois insumos (Enade e IDD) e inclui outros igualmente relevantes, tais como a qualificação do corpo docente e uma avaliação pelos formandos das estruturas oferecidas para o desenvolvimento do processo. Há ainda o Índice Geral de Cursos (IGC), previsto para fornecer um conceito para a instituição como um todo, onde os CPCs resultantes das avaliações dos últimos três anos seriam somados às avaliações dos programas de mestrado e doutorado. Ainda assim, no início de setembro, o Inep, que realiza avaliações qualificadas, liberou separadamente o Enade e o IDD e só liberará, separadamente, o CPC em novembro. Com isso, temos um hiato onde as especulações podem levar a conclusões menos embasadas do que elas seriam se ambos, Enade e CPC, fossem liberados juntos. Por exemplo, conclui-se, somente pelo Enade, que as universidades federais se saíram melhores do que as instituições do setor privado. O que o Enade atesta isoladamente é que os formandos das federais obtiveram, em média, notas superiores às dos formandos do setor privado. No entanto, está oculto que os estudantes ingressaram no ensino superior com bases diferentes, sendo de conhecimento geral que os ingressantes das federais, em média, entram mais bem preparados. Indicadores de qualidade são sempre importantes e a sua publicização, na sua forma mais completa, atende corretamente ao pressuposto de informar bem ao cidadão sobre elementos de qualidade dos serviços educacionais à disposição no país.

 


 

Brancos usam cota para negros e entram no curso de medicina da UFMG (Folha de S. Paulo – Educação – 24/09/2017)

Dezenas de brancos estão ingressando no curso de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), um dos melhores do país, fazendo uso fraudulento do sistema de cotas da instituição, criado em 2009. A queixa parte de alunos e é endossada pelo movimento negro e pelas entidades estudantis. A universidade diz estar ciente de possíveis desvios em seu programa de ações afirmativas e, após ser procurada pela Folha, informou que vai aperfeiçoar o sistema de cotas e investiga denúncias que foram oficializadas. O caso mais inquietante entre a comunidade acadêmica é do calouro Vinicius Loures, 23. Embora ele tenha se autodeclarado negro na inscrição, chamam a atenção seus cabelos loiros e a pele e olhos muito claros. Além disso, Loures, que já fez trabalhos como modelo publicitário, não teria nenhuma relação social e cultural com a realidade negra. Procurado, ele se limitou a dizer que “sobre esse assunto, não tenho nada a declarar”. Com sobrenome de origem italiana, a estudante Bárbara Facchini, 19, é outra que tem questionada sua identificação como negra, conforme declarou ao disputar uma vaga na medicina. A caloura também não quis se manifestar. Disse apenas que o “assunto é delicado” e que muitas pessoas “distorcem” as coisas. “Prefiro manter minhas concepções pra mim”, declarou. Quando o candidato se autodeclara negro, pardo ou índio no sistema da UFMG, concorre a uma vaga dentro do subgrupo que se colocou [são quatro variações na universidade]. As notas de corte para cotistas chegam a ter 28 pontos a menos no Enem do que na ampla concorrência. Outro caso apontado como “absurdo” pela comunidade acadêmica é o de Rhuanna Laurent. Procurada, ela não quis se manifestar. Agatha Oluwakemi da Silva Soyombo, 20, negra filha de pai nigeriano, entrou na medicina sem a política de cotas. Ela lamentou que haja uso inadequado da autodeclaração e deturpação do benefício, que considera legítimo. “É muito difícil entrar no curso de medicina. Fiz três anos de cursinho e não vou julgar ninguém. O que barra uma pessoa a não se autodeclarar negra é sua ética”, diz. O que ela não tolera, diz, é ouvir que, no Brasil, todos são pardos e miscigenados. “Quem são os seguidos pelos seguranças no shopping? Quem é inferiorizado pelo tipo de seu cabelo ou pelo formato do nariz? É preciso ser mais criterioso, para além de uma declaração.”

REVOLTA

Filha de uma professora e de um mecânico e oriunda de escola pública, Poliana Faria Fradico, 25, teve de esperar sete meses em lista de espera antes de ser chamada para uma vaga na medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ela tem evidentes traços negros. “Quando você vê uma pessoa de pele branca e olhos azuis entrar na sua frente, porque se autodeclarou negra de uma forma absurda, a sensação é de extrema revolta”, afirma. Para ela, é preciso mais rigor, já no momento da matrícula, no caso de alunos que se autodeclararam negros. “A gente entra na sala de aula e vê 10% de alunos negros. Há um motivo histórico para que haja a cota racial, que é para mudar essa realidade de exclusão”, diz. “Então, é muito triste ver a iniciativa sendo usada de maneira fraudulenta por algumas pessoas. Ainda é preciso muita conscientização e medidas sérias para evitar esses desvios.” Thais Felizberto Alves Pereira, 20, também ingressante na medicina por cotas, se vê como uma “sobrevivente”. Durante um tempo, pensei que havia vencido um sistema de exclusão porque havia entrado na faculdade de medicina, mas não há vitória quando um monte de gente fica para trás.” Por meio de nota, o diretório acadêmico do curso de medicina se manifestou afirmando que “a UFMG precisa encontrar formas de coibir ações fraudulentas, de modo que a finalidade da política de ações afirmativas se instaure de maneira efetiva”. “Assim, tanto a Faculdade de Medicina quanto a universidade poderão deixar de ser ambientes tão elitizados e de reprodução de opressões”, afirma o diretório no texto. “Desse modo, tais espaços estarão aptos a se tornar mais democráticos, pintando-se com a verdadeira face do povo brasileiro.” Ligado ao movimento negro da UFMG, Marcos Vinicius Ribeiro, um dos mais jovens calouros cotistas da medicina, com 17 anos, considera que as fraudes têm sido “sistêmicas”. “Infelizmente, está se incluindo quem nunca foi excluído da universidade. Negros que deveriam estar participando do saber médico continuam entram no hospital apenas como pacientes.”

OUTRO LADO

A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) informou que pretende aprimorar o controle de acesso em suas ações afirmativas a partir do ano que vem e que uma comissão de sindicância analisa todas as denúncias formais de possíveis fraudes em cotas. A universidade não revela quantos casos estão em análise, mas declara que, se constatada fraude, o aluno terá sua matrícula cancelada. Os trabalhos de investigação estão em fase final. “São diversas as informações sobre percepções de fraude, mas só podemos agir diante denúncias formalizadas na ouvidoria, que serão apuradas”, diz Rodrigo Ednilson de Jesus, pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis. “A participação do aluno, fazendo o controle social dentro da universidade, é fundamental para o aprimoramento da política de cotas.” Segundo ele, o alerta de possíveis falhas ajuda. “Mas não podemos nos pautar apenas pelo juízo das pessoas, pois isso pode fragilizar a política afirmativa, que tem como base a autodeclaração. A possibilidade de defesa está sendo irrestrita”. Segundo o pró-reitor, a universidade se concentrou, nos últimos anos, em aprimorar o acesso e a permanência do beneficiado por cotas e, agora, é preciso aperfeiçoar o sistema de entrada. Além da autodeclaração, a universidade passará a exigir dos postulantes a um vaga por cotas raciais uma carta formal em que ele relate elementos que o fazem se reconhecer socialmente como negro, pardo ou índio. “A carta será um documento que ficará em poder da universidade e que será confrontada em casos de dúvida. A ideia é que o sujeito se identifique com a máxima responsabilidade, mostrando sua relação social com a raça”, declara Jesus. A universidade pretende começar em breve um processo de divulgação da medida em escolas públicas, além de fazer alertas para que alunos não façam a “a autodeclaração racial vazia.” Também a partir de 2018, todos os cursos da pós-graduação da UFMG devem contar com cotas raciais, que destinarão entre 20% e 50% das vagas ao público alvo.